terça-feira, 31 de julho de 2012

As duas irmãs (Ou: A mesma)

Moravam, duas irmãs, na mesma casa. Até que, um dia, perderam-se. 
Dentro de seus próprios caminhos, em ruelas que ligavam as tripas e o coração.
A princípio, não temeram. Afinal, não poderiam ir muito além delas mesmas. 
A princípio, não choraram. Afinal, não poderiam sofrer, estando livres.
A princípio, não correram. Afinal, estavam perto.
Mas, numa noite escura, abrindo os olhos, e vendo que suas mãos estavam geladas,
as irmãs gritaram, uma para a outra, a fim de que se ouvissem e se achassem e voltassem a morar perto do calor do mesmo sangue.
Não se ouviram. Não se viram. Não dormiram mais.
Foi preciso esperar passar o inverno todo e, talvez, uma outra estação, e só então, sem neve, sem frio, sem medo, acharam-se. Acharam-se. E perceberam que, na verdade, estiveram sempre no mesmo lugar. Mas de costas uma para outra. A partir desse dia, só andaram de mãos dadas. E quentes.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Até que tudo fique claro


Tinha terror noturno. Como se o próprio mal sussurrasse em seus ouvidos.
Acordou, certa noite, mergulhada no medo e no suor.
Ligou para ele e ele não estava. Precisava de música, mas não tinha ninguém para cantar uma balada em seus ouvidos, e acalmar seus gritos, seu medo...
Pensava estar curada. Mas, no fundo, estava só.
Ela precisava de duas coisas: algumas gotas de Rivotril e um copo de água.
Mas colo de mãe já valia. Da mãe de sua infância. Daquela que, ao ouvir seu pavor durante maus sonhos, ia até seu quarto, e segurava seu rosto, até que tudo ficasse claro.
Ela precisava de três coisas: algumas gotas de Rivotril, 
um copo de água e colo de quem quer que fosse.
Mas colo de mãe era o que mais valia. A mãe de sua infância.
Pensava estar curada. Mas, no fundo, era só.

terça-feira, 10 de julho de 2012

Enterro (Ou: A caráter)


Ficou em pé na frente do espelho.
Pensou: Não sofra. E deu um tapa na própria cara para não esquecer.
Amarrou firme o nó da gravata.
Pensou: Não caia. E deu um tapa na própria cara para não esquecer.
Vestiu o paletó preto.
Pensou: Não retroceda. E deu um tapa na própria cara para não esquecer.
Colocou os óculos escuros. Bochechas quentes.
Pegou uma pá, e foi enterrar suas ilusões.