Começou roendo as unhas. Toda mãe, em algum momento, nem que
seja breve instante, rói a unha. Seja por desconcerto, por ódio, angústia,
solidão, embaraço, ou qualquer outra coisa, ou ainda todas elas.
Essa, roía as unhas, por aquele minuto, enquanto, diante
dela, Jorginho, filho único, de mãos dadas a namorada fazia cara de: “Então, mãe, diz alguma
coisa”.
- É um prazer conceber, digo, conhecer você!
- Valeu, tia.
A menina tinha as pernas colocadas uma ao lado da outra, mas
os joelhos estavam juntos, e os calcanhares ficavam distantes. Posição de jeca,
pensou a mãe. Roia. O esmalte já tinha ido, faltava a borda do dedo, o dedo em
si, talvez, com esforço, os cotovelos.
- Você faz o quê, meu bem?
- Tipo assim, em que sentido?
A mãe sentia o coração claramente dar soquinhos, e o fígado, aparentemente, tinha saído para dar umas voltas. Professora universitária, pós
graduação em Boston, antropóloga, divorciada, frequente entre os que entendiam
em que sentido ela falava as coisas.
- Pergunto se você estuda, trabalha... pensa....? ( A última
palavra foi quase um balbucio)
- Ah!Tá! Tipo, já estudei, mas não gosto não. Tipo: Se der
um dia faço supletivo e termino o colegial.
- Colegial? Quantos anos você tem, benzinho?
- Tipo, 21, mas nas revistas sai que tenho 18.
A mulher ria de nervoso, um risinho agudo, baixinho. Uma
coisa nova. Ela poderia jurar que vinha de algum orifício desconhecido da sua
alma. Era isso. A alma estava definitivamente furada.
- Você sai em revista? ( o risinho ficou mais alto)
- É, as vezes, por causa do caso do Wellington Tererê.
Estava concluído. O pâncreas resolveu acompanhar o fígado. A
respiração acompanhava os soquinhos do coração. Parecia um soluço. Ela estava
viva dentro de um soluço. Olhava a moça, os peitões armados. E as coxas? Cada uma parecia que tinha trazido uma amiga
para acompanhar. Rijas, grandes, cavalares.
- E quem seria esse moço?
Daí, o filho que, até então, estava se segurando, não
agüentou:
- Mãe!!! Wellington Tererê!!!! O melhor atacante da atualidade.
O chute dele é uma bomba, mãe. Acabou de assinar um contrato na Europa. Milhões!
O atacante do século.
O garoto estava chateadíssimo. Desdenhar da namorada já era
o fim. Agora, não conhecer Wellington Tererê, era demais.
A mãe fez cara de ah
ta e continuou:
- E que caso foi esse, benzinho (percebeu que era a terceira
vez que chamava a moça de benzinho)
- Tipo, ele é meu marido. Daí, ele chegou outro dia e eu
falei: ó tem um cara na parada. O nome dele é Jorginho, tipo, é cara fino e to
te dexano. Daí,
ele me espancou. Eu fui no programa de TV e dei parte dele na polícia. Ele vai
me pagar um nota. Vai ganhar em euro, né?
A mãe, já estava de pé, remexia nas gavetas a procura de um
barbitúrico. Qualquer um servia. Podia ser antiácido, também; ou um valium,
uma balinha de menta, um 38. Qualquer coisa valia.
Pensava nas economias que fez. Na primeira escola do
Jorginho. Bilíngüe. Bilíngüe, meu Deus. Colegial no exterior. Lembrou da viagem à França para o menino conhecer a cultura, antes de começar o curso de francês.
E a faculdade? E a faculdade? E os planos de pós graduação? E o parto? O menino
não nascia nunca. Desgraçado. Se soubesse, deixaria ele lá entalado. Para agora,
ele aparecer com essa, essa, essa, abominação. Cadê aquele cretino do Maurice
quando eu preciso? Ah, ele vai ter que fazer alguma coisa. Ele que pegue esse
menino e afaste dessa, dessa, dessa, Sharon. Que pai é esse que não dá
conselho? Que não sacode o garoto? Onde já se viu?
A mãe puxava os cabelos das têmporas, mas Jorginho já tinha
ido com a fulana para o quarto.
Cinco horas depois, a tal foi embora e Jorginho apareceu na
sala. Achou a mãe sentada no chão, abraçada ao catálogo do Louvre.
- O que houve, mãe? A senhora não está bem?
- Por que, meu filho, por quê? O que foi que você viu nessa
moça?
- Mãe!!!Ela é mulher do Wellinton Tererê, mãe! Pô! Wellinton
Tererê!
O rapaz saiu. Orgulhoso da sua conquista. Com essa, ele
casava. Sim, senhor. Essa valia a pena!