quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Frutos

Tinha raízes.
Não morreu. Apenas, aprofundou-se.

Voo livre

Pegou o moço pelas mãos. Soprou seu rosto.
Encostou em seus ombros, e se fez chorar.
Pegou o voo pelo osso. Saltou livre do penhasco.
Encostou a face nos escombros, e se fez lidar.
Pegou o tronco mal cortado. Cortou os dedos no machado.
Encostou o lábio na mão suja, e se fez calejar.

Para cada soco, um louco.
Para cada lírio, um morto.
Para cada escândalo, um grito.
Para cada amor, um lampejo.

Pegou o moço pelas mãos. Soprou seu rosto.
Ensinou a força brutal que nasce nos enclausurados.
Disse: Vai.
Moço foi.
Disse: Fui.
Moço entendeu.

Para cada professor, um aluno.
Para cada absurdo, um cuidado.
Para cada corte, um curativo.
Para moço, visionário.


quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Plástica.

Acordou bem cedo, e olhou-se no espelho.
Viu na imagem, seus 59 anos. 
Pensou: Assim que terminar de preencher a alma, preencho o rosto!

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Casa cheia

Numa casa moravam cinco moças.
Cada uma tinha um dom.
Numa casa moravam cinco moças.
Cada uma tinha um som.
Numa casa moravam cinco moças.
Cada uma tinha um cheiro.
Numa casa moravam cinco moças.
Cada uma tinha um beiço.
Na mesma casa morava um velho cego.
Conhecia cada uma como a palma da mão.
Amava cada uma de um jeito.
Ficou cego de tanto olhar aquelas belezas.
Uma noite, morreu o velho.
A moça Joaquina limpou o velho.
A moça Mariquinha vestiu o velho.
A moça Tamires avisou os vizinhos.
A moça Joana ligou para o cemitério.
A moça Francine só chorou, porque o o dom dela era Amor.

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Mulher obediente!

Era casado com uma mulher de nome Santinha.
Todo dia, quando saia para trabalhar, dizia:

Santinha, minha filha, seja você mesma!

Mal passava pela porta, a mulher recebia o amante. Só para seguir as ordens do marido.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Fofoca Literária (Ou: Os fingidores) (Ou:Cada macaco no seu galho)


Ele começou falando uma coisa no ouvido de alguém. O círculo foi fechando.
As palavras foram sendo levadas, porque palavras voam. 
Leu Dostoiévski e disse: Vocês viram que esse autor matou o próprio pai? Ele matou uma velha também. Ele roubou.
Leu Kafka e disse: Pessoal, esse escritor virou uma barata. Juro. Ele escreveu. 
Leu Gabriel Garcia Marques e sentenciou: Que nojo, esse escritor tem tara por menininha. Está lá escrito no livro das putas tristes.
Leu Borges e concluiu: Deus me livre, ler um livro de areia. Demoníaco.
Leu Llosa e pensou: Coitado. Amar assim uma menina má.

Quando voltou para casa, olhou-se no espelho, e estava sujo.
Não entendeu. Lavou-se. 
Decidiu parar de ler aqueles escritores escrotos que tem que viver tantas coisas podres para escrever.
Nunca mais leu. Mas toda vez que se olhava no espelho, via sua pele suja.

Dostoiévski olhou para os outros e disse: A ignorância mancha a vida, meus amigos. A literatura é Alvejante.
E foram todos eles dormir tranquilos porque estavam limpos.

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

A cura (Ou: O Guru)

Estava ali, como guru. O Guru do Sono, como era chamado.
Auditório cheio de insones, a procura de ajuda.

Abriu o discurso, pigarreando.
Segurou as duas mãos juntas, dedos enroscados, como se fosse fazer uma oração:

Senhores, agradeço a presença de todos. Depois de muitos anos fora do país, descobri a cura para a insônia. Sei que esperam respostas. Antes, farei um breve discurso.



Duas horas depois, ao finalizar sua longa, longa explicação, olhou para a platéia que cochilava nas poltronas fofas.
Encheu o peito de orgulho e pensou com ele mesmo: Sucesso. 
Saiu da sala, apagou a luz, e deixou atrás dele os roncos que soavam em seus ouvidos como aplausos.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Natimorto (Ou: História de terror) (Ou: A vida do natimorto)

Nasceu morto.
Ninguém disse a ele.
Não lhe deram um nome, mas também não enterraram seu corpo miúdo.
Sua mãe já tinha tentado ter outros filhos. Perdendo todos, foi ele, o sucesso.
Mas não estava morto? Sim, estava. Porém, tudo é relativo. Diante de seus irmãos que não tinham conseguido viver naquele útero mais que três meses, ele era um bom bebê. Nove meses, afinal.
Cabelos bem pretos. Bem lisos. A ponto de ficarem em pé.
Cuidaram dele. E já que estava morto, não o deixaram viver.
Colocaram roupas. Fingiram que era um bebê incrível.
Diziam aos amigos: Olhem que lindo. Cabelos para cima. Vejam, tem 9 meses e anda.
Mas todos sabiam que aquilo era uma mentira. Menos o bebê. Ninguém tinha contado para ele.
Ninguém teve coragem de dizer em seus pequenos ouvidos: Você fracassou, também.
Cresceu morto.
Quando era perguntado pela própria vida por onde gostaria de ir, não tinha resposta.
Percebia que os outros tomavam rumo, decidiam coisas, escolhiam suas faculdades, abandonavam suas escolhas, viviam amores, deixavam seus amores. E ele não podia.
Aos poucos, como não era capaz de viver, começou a sabotar a vida dos outros que viviam.
E, por não compreender que os outros tinham direitos, afinal, tinham realmente nascido, fazia de tudo para que a felicidade alheia durasse bem pouco. E mesmo os que o amavam foram precisando de ar, porque ele, apesar de não respirar, tirava o ar de quem vivia.
Um dia, olhou para si mesmo e tomou um susto. Estou morto, pensou. Como não tinha visto antes?
Tocou sua pele, seus cabelos escuros, seus olhos bem grandes e viu que tinha sido uma mentira. Estava morto. E viu uma coisa muito pior, estava matando quem estava a sua volta por não deixar vida para ninguém.
Foi então que deitou-se embaixo de uma grande árvore. Com raízes bem profundas. Tronco gigantesco.
Deitou-se e ficou na posição que conhecia bem. Fetal. Fechou os olhos e, finalmente, morreu. Morreu para ele e para os outros. E, para dizer bem a verdade, finalmente entendeu a vida e foi feliz.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Para cada coisa


Para devaneio: contenção.
Para medo: ambição
Para asma: sopro.
Para loucura: camisa de força.
Para sexo: camisa de vênus.
Para rato: ratoeira.
Para todo o resto: dicionário.

Para espinha: apertão.
Para estrada: contramão
Para espírito: retidão.
Para angústia: remédio.
Para anel: ourives
Para aliança: decisão.
Para todo o resto: dicionário.

Para mijo: latrina.
Para doce: insulina.
Para voo: paraquedas.
Para todos: sensatez.
Para poucos: coragem.
Para sangue: Tarantino.
Para nós: decolagem.
Para todo o resto dicionário.

Para isso: aquilo.
Para chuva: pulmões.
Para justos: juízo.
Para juízes: amputação.
Para membros: rigidez.
Para todo o resto: lucidez.

Só para inveja: salafrário.
Só para inveja: armário.
Só para inveja: merda.
Só para inveja: cadeado.
Só para inveja: exaustão.
Só para inveja: frustração.

E para todas as outras coisas: dicionário.

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Ícone

Decidiu ser uma mulher minimalista.
Parou de comer.
Passou a pesar 35 kg.
Vestiu uma camiseta branca como vestido.
Foi aplaudida de pé.

Era o que todos comentavam enquanto velavam seu corpinho fashion:

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Sopro

Colocou uma flor de angélica no parapeito e perfumou os dedos.
Os olhos molhados, brilhantes, brilhosos, visivelmente intrusos no mundo.
Olhava a sua volta uma nova vida, embebida em um licor de cassis.
Passara a vida em cárcere privado, com banheiro privativo, e suas podridões passaram a fazer parte dele mesmo. Cheirava a bosta. Viveu tempo demais sequestrado perto das suas evacuações e das alheias, também.
Sabia que era necessário tomar um banho. Saiu de onde estava e encheu um balde com água. Entrou. Não duvidou caber ali. Sabia que havia diminuído muito de tamanho. Foi ficando com a medida exata daquilo que acreditava que fosse: quase nada. Saiu do banho, perfumado. E parecia alguns centímetros maior. Voltou ao parapeito e viu um pássaro grená e azul. Sorriu. Cresceu uns centímetros.
Decidiu dentro do próprio peito que poderia ser muito além do que estava sendo. E, já que suas correntes haviam cedido, já que não era mais refém dele mesmo, muito menos dos outros, poderia deixar-se ao vento para que Deus soprasse novamente em suas narinas.
Deus, então, tomado de misericórdia, pegou aquele ser pelas costelas, e soprou profundamente.E disse: não se aparte mais. Quem se exclui da vida, não vive. Quem se expõe, vive. E, acima de tudo, quem não teme o novo, eterniza-se.
Saiu, aquele homem, para o mundo. E teve que abaixar-se um pouco na saída, porque não passava mais pela porta.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Um brinde

Pegou o cálice e encheu.
Ofereceu, com ódio, ao seu inimigo, dizendo:
Bebamos a sua sorte.
O inimigo bebeu e ficou corado.
Ele só molhou os lábios e morreu.
Disseram que foi infarto.
Mas, na verdade, foi podridão.

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Maré de azar

Sentou-se com duas pedras na mão.
Limpou. 
Ficaram tão brilhantes e lindas que teve vontade de guardar.
Guardou.
Levantou-se com duas pedras no bolso.
Estavam tão puras em seu bolso que teve vontade de pegar.
Pegou.
Passou o dedo nas duas pedras.
Cortou.
Acabou, ali, o encantamento.
Jogou.
Decidiu que era mais prudente brincar com algo maleável.
Foi até o mar para nadar nas águas.
Afogou.

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Rede cheia (Ou: O menino) (Ou: Birisca)

Passou a infância pescando, ali, com o avô.
Único neto homem, fez uma aliança de afeto.
Profunda.
Intensa.
Agora, voltara. Era uma tentativa de buscar alguma coisa que tinha ficado ali.
Perdida nas paredes. Na geladeira antiga. No forno a lenha. Na bomba d´água.
Procurou no escuro. Acendeu a memória. Tateou as prateleiras.
O baralho espanhol para jogar birisca, não tinha mais. Uma mão. Uma rodada.
Nada tinha cheiro. Tanto tempo. Era um homem feito. E não tinha cheiro, ali.
Achou a vara de pesca que tantas vezes viu o avô carregar.
Primeiro, segurou firme. Fechou os olhos, e lembrou-se do desejo infantil de um dia pescar com ela.
Os peixes seriam todos seus, como eram do avô.
Limpou com cuidado. Chorou ao desatar a volta que prendia a linha com o chumbo, na argola da vara.
Aquele nó foi dado pelas mãos fortes que ele conheceu tão bem. O último laço. O último cuidado.
Carregou tudo firmemente. Fez planos de resgate.
Voltou de lá sem nenhum peixe, mas as ausências, todas, eram mais suas, agora. As presenças mais nuas.
E ele foi menino, então.

terça-feira, 31 de julho de 2012

As duas irmãs (Ou: A mesma)

Moravam, duas irmãs, na mesma casa. Até que, um dia, perderam-se. 
Dentro de seus próprios caminhos, em ruelas que ligavam as tripas e o coração.
A princípio, não temeram. Afinal, não poderiam ir muito além delas mesmas. 
A princípio, não choraram. Afinal, não poderiam sofrer, estando livres.
A princípio, não correram. Afinal, estavam perto.
Mas, numa noite escura, abrindo os olhos, e vendo que suas mãos estavam geladas,
as irmãs gritaram, uma para a outra, a fim de que se ouvissem e se achassem e voltassem a morar perto do calor do mesmo sangue.
Não se ouviram. Não se viram. Não dormiram mais.
Foi preciso esperar passar o inverno todo e, talvez, uma outra estação, e só então, sem neve, sem frio, sem medo, acharam-se. Acharam-se. E perceberam que, na verdade, estiveram sempre no mesmo lugar. Mas de costas uma para outra. A partir desse dia, só andaram de mãos dadas. E quentes.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Até que tudo fique claro


Tinha terror noturno. Como se o próprio mal sussurrasse em seus ouvidos.
Acordou, certa noite, mergulhada no medo e no suor.
Ligou para ele e ele não estava. Precisava de música, mas não tinha ninguém para cantar uma balada em seus ouvidos, e acalmar seus gritos, seu medo...
Pensava estar curada. Mas, no fundo, estava só.
Ela precisava de duas coisas: algumas gotas de Rivotril e um copo de água.
Mas colo de mãe já valia. Da mãe de sua infância. Daquela que, ao ouvir seu pavor durante maus sonhos, ia até seu quarto, e segurava seu rosto, até que tudo ficasse claro.
Ela precisava de três coisas: algumas gotas de Rivotril, 
um copo de água e colo de quem quer que fosse.
Mas colo de mãe era o que mais valia. A mãe de sua infância.
Pensava estar curada. Mas, no fundo, era só.

terça-feira, 10 de julho de 2012

Enterro (Ou: A caráter)


Ficou em pé na frente do espelho.
Pensou: Não sofra. E deu um tapa na própria cara para não esquecer.
Amarrou firme o nó da gravata.
Pensou: Não caia. E deu um tapa na própria cara para não esquecer.
Vestiu o paletó preto.
Pensou: Não retroceda. E deu um tapa na própria cara para não esquecer.
Colocou os óculos escuros. Bochechas quentes.
Pegou uma pá, e foi enterrar suas ilusões.

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Melhor prevenir (Ou: Bertioga é logo ali)

Com urgência, gritou da janela:
Volta, Pedro, senão eu pulo!

Pedro, parado no meio da rua, olhou para o segundo andar de onde ela gritava.
Faça isso, Valentina. Morrer, você não vai.

Não. Mas minha mãe terá que vir de Bertioga para cuidar de mim. Uma perna quebrada pode demorar meses para sarar.
...
Calmamente, Valentina foi até a porta, e recebeu de volta Pedro que, só para garantir, trouxe flores.


terça-feira, 26 de junho de 2012

Presente (Ou: Vela)


A despeito de ela ser surda, ele trouxe música de presente para ela.
A despeito de saber-se surda, ela ouviu.
Ouvindo, maravilhou-se.
Maravilhando-se, viveu.
E descobriu que, até ali, tinha sido cega, também.
Mas, agora, vê.
E ouve.
E vive.

sábado, 23 de junho de 2012

Jacaré nada de costas


Duas coisas sobre ela:
Tinha mania de limpeza
Era alérgica a peixe.
Começou o dia fazendo faxina no facebook do marido
Não sobrou nenhuma piranha.

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Janela (Ou: Divã) (Ou,ainda: TOC)


Ela olhou pela janela.
Estava sentada de lado, com os pés perto do estômago, as pernas encolhidas. Os pensamentos pareciam sair pela fresta, coroados de ilusões, de uma juventude esfacelenta, de um desejo tardio de ser doce e amada e analisada. Deixou na sala os outros móveis, a cômoda com os livros, as capas azuis das publicações de peso, as flores, que como ela, secas, fitavam o ambiente. Abandonou por minutos o terapeuta, que a compreendia, que a torturava. Mal sabia ela que, no íntimo, a amava sem ética, sem palavras, somente um condenado em seu próprio consultório, em sua própria profissão, em seu egoísmo de não deixá-la partir. De querer ser sua muleta, seu alquimista. Um mágico que descobre intenções, que não opina, mas que a faz dormir embalada em seus braços, em suas poções, em seus medicamentos.
Ele disse alguma coisa e ela sorriu sem ouvir, deixando-o na dúvida. “Será que repito?"
E o perfil, perfeito, da moça, dava a ele a sensação de perdê-la para a simetria.  A sensação de não alcançar dentro dela o que ela havia perdido um dia, e que a trouxera até ele.
Viu que ao lado, na têmpora, havia um precoce fio branco que ele poderia jurar não existir na sessão passada. “Ela vai envelhecer ao meu lado, deitada no divã, às vezes, sentada na poltrona. Será minha, assim como as manhãs são dela. Dependerá do meu sim, da minha janela, do meu amor”.
Ela o olhou novamente, dessa vez como se estivesse ali. Como se regressasse da distância, do distante.
— Acho que não venho mais. Ela disse.
Ele sentiu a face branca e fria. Engoliu uma saliva imaginária, porque sua boca estava seca desde o momento em que ela chegou.
— Como?
— Não venho, entende? Não vou continuar o tratamento.
E como ele não fez nenhum comentário, ela resolveu acabar ali a conversa.
Calou-se como se nunca tivesse dito nada. Abriu a bolsa lentamente e procurou alguma coisa. Tirou um cigarro meio amassado, aparentemente guardado fora do maço, no meio da carteira, do batom, da agenda nunca consultada, dos papéis antigos de estacionamento, do extrato do banco.
Abaixou novamente a cabeça e tocou no fundo e trouxe à tona o isqueiro amarelo. Acendeu.
  “Pensei que ela não fumasse mais”, pensou ele.
Não fez comentário. Não disse que não era permitido fumar. Não mostrou indignação com um vício que ele julgava estar morto. Resignou-se. Consentiu. Quase sentiu alívio por ela estar ali ainda.
— Carolina...
Ela não respondeu. Tragou profundamente e levantou-se.
Ele disse:
     — Eu ia dizer que nossa sessão terminou e...

Ele ficou de pé como se estivesse seguindo um protocolo. E Carolina ali, diante dele. Ele estático e ela em movimento. Ela pegou suas mãos e o trouxe para junto dela. Ele foi. Então, ela tocou seus lábios, tragou dele e o levou por sepulturas e orquídeas. Ele, sendo beijado, viu seu cérebro trabalhando ao contrário, tentando sobreviver. Lembrou-se de um poema de Hilda Hilst, quis ser Túlio para que Hilda o amasse, para que fossem para ele aqueles poemas. Pensou nas confissões de uma viúva moça e nas narrativas Machadianas. Onde estava mesmo? Ah, sim, “Contos Fluminenses”. Que mais? A viúva ali narrada. Sua traição. Lembrou-se de Macabéa morta no asfalto e de Clarice Linspector na contracapa. Precisava ler mais Clarice. Precisava de todas as mulheres: escritoras, poetas, cafetinas, moralistas, todas... Coroou o pensamento com um soneto, quatro, quatro, três... Decassílabo... Um soneto... Abriu os olhos e viu Carolina descansando em seus lábios e chorou.
Ela largou dele no meio da sala, entre as poltronas e o divã, e saiu. Sem maiores diálogos, sem explicação.
Carolina, vinte anos. Carolina depressiva, Carolina das manias, do TOC, da fibromialgia. Carolina amada. Beijada. Curada.
Carolina perdida...

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Einstein

Ele tomou coragem,  e decidiu apenas 3 coisas:

A primeira: declarar-se
A segunda: segurá-la pela nuca.
A terceira: empurrá-la para junto da parede.
               ...


A quarta: contar coisas dentro da boca dela...
E dane-se! Nunca fora bom mesmo em matemática.

terça-feira, 19 de junho de 2012

Choro (Ou: A história da menina magoada)


Ela desamarrou o lenço do pescoço.
Olhou-se no espelho, e tirou o batom.
Escovou os cabelos como quem escova crina.
Machucou os dedos.
Tomou três goles de água. O soluço passou. As lágrimas, não.


...
Tentou três goles de vodca.
Parece que está dando certo.


segunda-feira, 18 de junho de 2012

Carta (Ou: Desavisada)


Caro Sr. Locutor.

Venho, por meio desta carta, pedir que acabe com seu programa. Saia do ar! 
Veja bem, um programa sobre amor nos tempos atuais, parece brincadeira. Não creio que existam pessoas que ainda acreditam nesta história de encontro, de amor eterno, de paixão para uma vida. Uso meu caso como exemplo: 
Vivia com Olga. Durante 29 anos vivemos juntos. Criamos nossas crianças e as vimos virarem adultos, ou quase isso. Paty, a mais velha, acaba de terminar a faculdade de direito. Precoce, formou-se e já está de passagem comprada para morar fora seis meses para aperfeiçoar o inglês. Sim, meu amigo, foi-se o tempo em que faculdade sozinha contava para alguma coisa. Camila está cursando o terceiro ano de propaganda e marketing, apesar de já demonstrar certa tendência para teatro (veja o que um pai sofre). Rodrigo, meu caçula, tem inclinações que envolvem sentar em frente à televisão, sem nenhum objetivo claro – a chamada vagabundagem.
O senhor deve estar pensando: O que eu tenho a ver com isso? Eu digo. Com todas essas mudanças em nossas vidas, eu e minha esposa doamos nosso tempo para o trabalho, com o intuito de pagar tudo isso que mencionei acima. E o tempo, bem, o tempo foi consumindo nossa face, e trazendo junto com as preocupações, uma barriguinha saliente, umas rugas sobre a boca e umas esquisitices típicas do convívio constante. O fato é que nos afastamos. E tudo seria normal e até esperado, porque, todos os casais que conheço são assim, se não fosse um episódio que nos afetou recentemente e desagradou tanto minhas expectativas. Minha mulher, orientada por uma amiga, conheceu seu programa: “O amor está no ar”. Há exatos três meses e cinco dias ela conheceu sua voz e suas idéias muito estranhas, e passou a acompanhá-lo dia após dia. A princípio, não dei importância e pensei que era coisa de mulherzinha... O amor... Mas, com o passar dos dias, ela foi adquirindo um ar jovial e foi dando para sorrir sem motivo e até, veja o senhor, até para dar umas voltinhas de valsa enquanto preparava o jantar. À medida que esses fatos foram ocorrendo, ela foi, na mesma proporção, tomando certa aversão por mim. Quando pedi um copo de água, respondeu: Pegue você! Quando disse que estava cansado, deu de ombros. Quando perguntei sobre o almoço de domingo, respondeu que comprássemos comida pronta. Aos poucos, ela foi ficando ausente, foi virando só uma sombra a rodopiar pelos cantos e passou a usar maquiagem para ir ao supermercado. Vez ou outra, suspirou; fato que me causou estranheza, afinal, Olga nunca fora dada a estas coisas. Tenho para mim, caro locutor, que a culpa de tudo isto é sua e deste seu programinha sonso que inspira ideias absurdas na cabecinha das mulheres alheias. Sua voz forçada e suas melodias bobinhas causam, em um cérebro desavisado como o de Olga, uma idéia ridícula de que o amor existe. Patético! É o que digo: patético!
Portanto, colega, esta carta é para pedir que, em nome da família, pare já com este programa. Entendeu? Pare antes que eu faça uma reclamação diretamente com a diretoria da rádio. Tenho contatos, meu amigo. Tenho contatos! Acabo com seu emprego! Não estou blefando. Sei que é seu ganha pão e a coisa vai mal por aí... Mas cada um cuida do calo que lhe aperta dentro dos sapatos. Você é meu calo!
Vou dizer só mais uma vez: Pare com este programa ou, pelo menos, mande Olga de volta para casa.

terça-feira, 12 de junho de 2012

Mini conto (Ou: Resumo)

Amou quem estava invisível.
Salvou das devastações.
Iluminou a escuridão.
Disse: Vem.
Fui.

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Maldição (Ou: Ciúmes)


Ele sabia que aquela seria sua maldição. A maldição de não esquecer. Nada. Tudo.
E o Nada e o Tudo entalhados nos seus calcanhares. Ele não esquecia.
Eram pedras a rasparem em seus pés, endurecendo suas plantas, rachando, marcando suas idas.
Era uma maldição. Não deixava nada para trás.
Não poderia nunca esquecer-se do dia de angústia, nem do furto de sua alma, nem do corte em suas carnes, nem da violência em seus pares, nem da solidão em todas as presenças.
Era uma maldição. E ele a lembrar-se da vida inteira, dos sonhos, dos sonos, das chegadas, das partidas, do sexo, do amor rompido, do primeiro, do último, da cama quente sem nexo.
Ele e o mais dentro dele. E as portas fechadas para qualquer emergência. E o ciúmes que ele tinha dela afogava suas tripas. Ele queria esquecer. Não podia.
Era o fígado que contava coisas. Era o rim que zombava dele. Cada milímetro de si corroído pela ferrugem da incerteza de ser amado.
Ele sentia ciúmes. E nunca lhe fez tanta falta a falta de memória. Por que tinha de sobra. Queria esquecer e não podia. Queria fartar-se de momentos, e dizer chega. E não podia. Queria satisfazer-se de cenas, mas elas estavam todas recicladas nas pupilas, nos nervos, na pele, no cheiro dele mesmo.
Nunca foi tão importante esquecer.
Mas o ciúmes era a presença mais presente. A navalha mais afiada. Cortava suas coxas e suas taras. Extirpava sua inocência e suas falas.
Ele queria esquecer e não podia.

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Breu (Ou: Amor)


Ele fechou os olhos e procurou no breu, em sua escuridão, um desejo para desejar, um delírio para saborear, uma ilusão para ressurgir, um botão para apertar.
Ele explorou no fundo do seu globo ocular uma imagem de registro para seus momentos fúnebres. Não havia.
Sabia que, em algum minúsculo tempo, num tempo em que seus horizontes expandiram, seus lábios umedeceram, sua língua calou no palato, existiu um breu produtivo, um sentimento em carne viva e ele, ali, procurava nas angústias de suas memórias, uma memória para chamar de sua.
Tolheu o que não servia, puxou para si redemoinhos de tudo o que girava em sua cabeça fértil e infantil, e percebeu que, no viver atropelado, nas caricaturas que fez de si, nas amarelinhas que pulou roubando um quadrado, deixara para trás, o seu melhor.
Ele fechou os olhos e procurou no breu, em sua escuridão particular, e nada achou ali a não ser aquela mesma frase que já disse a quem amou um dia: Não acredito em amor.
Foi então que se perdeu. Foi exatamente ali que se desfez o que nele tinha se feito desde o nascimento.
E agora, fechava os olhos e procurava no breu. Sua escuridão era densa e balbuciava coisas em sua garganta rouca.
Olhou para o lado e viu alguém e disse: Recolha aqui meus cacos, pelo amor de Deus. Mas era o Diabo a olhar em seus olhos. E ele respondeu: Eu não acredito em amor. 

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Dr. Alfredo (Ou: A boa mãe)


Toda mulher sonhava em casar-se com um médico. Talvez, toda, seja um exagero, mas muitas sonhavam em constituir uma tradicional família ao lado de um bem sucedido homem da área da saúde. Um quase herói, salvador da espécie humana, operário em prol da qualidade de vida e longevidade do seu semelhante. Isso, é claro, era no tempo que o médico dedicava-se a essas banalidades.
Hoje em dia, muitas fêmeas ficariam com seus coraçõezinhos pulsantes e românticos batendo velozmente, caso conseguissem fisgar um bom jogador de futebol. Nada como ter um marido que ganha em euro.
Mas, o caso que conto aqui, é diferente. É um caso típico de mãe. 
Uma boa mãe,  mãe zelosa, protetora e perspicaz, quer mesmo é casar-se com um pediatra. Que maravilha durante uma otite, catapora, bronquite, pneumonia ( nos casos mais graves) ou, até, uma simples frieira, poder olhar para seu lado na cama e dar de cara com um pediatra. A mãe, com as bochechinhas rosadas e o sorriso alegre, em questão de minutos resolveria o problema, sem precisar ligar para ninguém, enfrentar uma fila no pronto socorro, sem imaginar loucuras com sua cabeça fértil e apavorada. Bastaria um pedido, um olhar, no máximo, uma piscadela, e seu protetor, seu herói da penicilina, do estetoscópio, levantaria seus braços fortes e colocaria em uso seu cérebro privilegiado, para aquela casa voltar ao seu sossego habitual e aquela mãe respirar com um alívio que só as mães conhecem. É aquele que se sente ao olhar um filho saudável a correr pela sala, enquanto a empregada faz saltos mortais na tentativa de salvar um cristal.
Quando Suely comunicou à família que estava deixando seu amado Pedro, pai de seus três filhos para casar-se com o Dr. Alfredo, foi um choque. Maior para os homens da família, para os maridos das amigas e para as solteiras ou casadas sem filhos. As mães fizeram uma cara que seus maridos julgaram ser espanto, mas que, na realidade, era inveja pura. Era uma sensação de incompetência. “Por que não pensei nisso antes”
Pedro tentou de tudo. Argumentou, chorou, ameaçou, mas Suely disse que era preciso. “Sim, eu te amo, Pedro, mas a questão aqui é o bem estar das crianças”.
O homem questionou sua capacidade como pai. Será que fez algo errado? Não. Tinha conversado com a barriga da mulher enquanto ela gestava aqueles bebês, mesmo achando que de nada serviria. Leu os livros especializados, assistiu aos partos, segurara as mãos firmes da mulher parindo. Até hoje não sentia o mindinho. Tinha ido a todas as reuniões de escola, consultas médicas, aniversários em buffets que eram a própria ilustração do inferno. Todos estavam em boas escolas, faziam inglês, natação, dança, piano. Frequentavam a fono, dentista, psicólogo. Fora as viagens, os passeios de final de semana.
Passaram-se três meses. Pedro, tomado de uma gota de coragem, foi até o apartamento da esposa com o propósito de fazê-la desistir daquela loucura. Tocou a campainha e, para sua surpresa, quem atendeu foi o próprio Dr. Alfredo. Trocaram um mínimo sorriso. Um leve balançar de cabeças.
Ele entrou, já não tão corajosamente. Podia estar enganado mas teve a impressão de que o Dr. Alfredo tentara derrubá-lo usando sua bengala. Aquele velho cretino.
Suely veio sorrindo abertamente e ficou surpresa ao ver o ex marido parado no meio da sala. Ele pediu um minuto de sua atenção e foram ao escritório para ter a conversa final, como ela mesma disse.
O pobre marido, ex marido, mais uma vez humilhou-se, fez pedidos, promessas e, por fim, usou um argumento que jurou que não iria usar, por ser mais um constrangimento que era imposto sobre ele mesmo:
− Suely, pelo amor de Deus, o homem tem oitenta anos!!!!
− Que baixo que você é, Pedro. Fique sabendo, que o Julio tem cinco anos. ( Julio era o caçula)
− E o que tem isso a ver, Suely?
− Tem que se o meu atual marido, meu marido pediatra ( disse isso com orgulho e certa prepotência) fizer a gentileza de viver mais 10 anos, já terá sido de grande valia. E me dê licença!
Virando as costas foi até a cozinha porque era hora de preparar a gemada do Dr. Alfredo.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

O susto




— Zeca, o Patrick expeliu uma pedra de dentro no nariz.
— Expeliu o que?
— Uma pedra, Zeca.
— Uma pedra, como, Lucia? Tipo...igual um cálculo renal? Uma pedra na vesícula? Tem isso no nariz, também?
— Não, Zeca. O menino pegou a pedra no jardim, achou fofa, enfiou no nariz e, hoje, expeliu enquanto eu dava banho nele.
— Quando eu falo que nossos filhos fazem coisas estranhas, você briga comigo.
— Para de falar que os meninos fazem coisas esquisitas que eles ouvem, acreditam e viram adultos estranhos.
— Igual sua tia Zuleica, né, Lucia?
— Tava demorando para a tia Zuleica entrar na conversa.
— Eu me preocupo, Lucia. Os meninos podem ter herdado os genes esquisitos da tia Zuleica. Vai me dizer que é normal o que ela faz?
— Pela milésima vez: a tia Zuza não é esquisita, ela só tem uma profissão um pouco incomum para uma mulher da idade dela.
— Lucia, acorda! A velha faz striptease no baile da saudade.
— Não, não, Zeca. Ela faz dança erótico-artística para senhores da terceira idade.
— Lucia, ela é uma velha de 86 anos que fica pelada para velhos de 95.
— Ela já passou por muita coisa, Zeca. Dá um desconto.
— Muita coisa. Muita coisa mesmo. Aliás, ela já passou na mão de muita gente, também, né, Lu? Ou você já esqueceu do Didi? Do seu Aderbal da farmácia? Do Helinho da lotérica? E o Jorge! O Jorge, sim. O menino ia fazer 19 anos. Teve até aquele episódio envolvendo o fusca do pai do Jorge e a cueca presa na perereca.
— Que história é essa Zeca?
— Tá vendo? Você vive defendendo a tia Zuleica. Acha a velha uma inocente envolvida nos laços podres do sistema, e nem sabe da missa a metade.
— Eu só sou justa. Nunca defendo a tia Zuleica. Só tento entender as atitudes dela. Mas que história é essa do fusca?
— Antes que você fale qualquer coisa, foi seu pai que me contou. Foi assim: a tia Zuleica chamou o Jorge para ir dar uma volta de carro. Ela não tem mais carta, afinal o descaso com a segurança de trânsito não vai tão longe e tiraram a carta da velha. O Jorge, para fazer bonito, pegou o fusca do pai, e pegou a tia Zuza na saída do, digamos...trabalho. Sabe-se lá o que foram fazer. O fato é que a tia Zuleica teve uma câimbra e o garoto se assustou, tentou chamar ajuda e acabou todo mundo parar na delegacia com a tia Zuza com a cueca presa na perereca. Seu pai que teve que ir lá pagar fiança.
— Gente! Como assim, na perereca? Você quer dizer na...
— Não, Lucia! Na perereca da boca. Na prótese da tia Zulmira.
— Ai, Zeca, que susto. E eu achando que dessa vez a tia Zuza tinha aprontado pra valer.

terça-feira, 22 de maio de 2012

Trilha


Ela vinha caminhando numa longa, longa noite. E seu olhar tinha um nada, quase inteiro, a sombrear as vistas. E os cílios, curtos, retos, estavam baixos não de tristeza, mas de emoção.
Ela vinha caminhando numa longa, longa noite. E suas mãos estavam abertas a procura de coisas para tatear. Era em braile que ela aprendia. Mas não era cega. Via.
Ela vinha caminhando numa longa, longa noite. E suas pernas iam fortes e musculosas. Não era ginástica. Era de uso extremo em subidas íngremes.
Ela vinha caminhando numa longa, longa, longa noite azul. Noite prenha de notícias. Noite parideira.
Ela vinha caminhando numa longa, longa, longa noite carmim. Não era sangue.
Era fogo.
Ela vinha cambaleando numa longa, longa noite sem fim. Mas não era eterno. Era medo.
Ela vinha cochilando numa longa noite que acabaria ali. Mas não era fim. Era tá.
Ela vinha acesa em fogo carmim, numa noite longa azul, com seus cílios curtos e baixos, e um nada, inteiro, nas pupilas limpas.
Ela vinha, então, agora, nesse instante, bem acordada, reluzente porque aprendeu o que faltava, inteira porque  ela mesma consumiu seu nada, caminhando duramente, seguramente nas estradas e calçadas.
Ela vinha feliz e perfumada, sabiamente articulada, espertamente afastada do que não era seu.
Pegou o que era dela, aqueceu o coração e as panturrilhas, subiu no monte mais alto e viu que era o monte certo porque a vista era linda.
Ela voltou numa longa, longa manhã, amando loucamente o que encontrou.
Ela voltou numa longa, longa manhã. Eterna. Agora sim, eterna.
E nunca mais voltou para as trilhas escuras de sua solidão.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

O leitor dos ventos


Pegou Baudelaire e se assustou. 
Beijou Machado e derreteu. Quis Kafka e gelou. Engoliu João e empalideceu.
Era um alimentar de coisas estranhas, um saboreamento de construções novas. 
Era o exílio do que cria, era o decidir pelo afogamento.
Ele escrevia na latrina, no difícil, na imundice; tinha um assopramento de angústia, 
de calúnia que expiravam no seu peito. 
Catavento, catalouco, catanicho, catalouça, tiragosto, tira tento, sem juízo e sem dinheiro.
Era só, era fingimento, era um oficial de causas mortas, era leitor de inúmeras portas. Portas que abriam para si e outras que fechavam seus anseios.
Era tido como não era, era sua própria forma e sua própria ausência.
Os livros, a estante toda, ventavam sobre ele e o Poeta se deixava ir pelos sopros, pelo ares, pelos coros, pelos mares...Ia sem vela, ia abraçado ao mastro, absorto, livre, caducando malandrices, desafinos, desafetos. E o verso nascia no cérebro ou na tripa e descia como caxumba deixando o poeta estéril para todo o resto. Pensava em prosa, escrevia em rima, vivia aéreo, cheirava ópio. Era na execução dos fatos que ressurgia, era na badalada que fazia 12 horas. Era uma produção, ora brusca ora metafórica, e ao mesmo tempo era um crédulo, era um bicho, um siso, um doente, mas só por fora.
Ele era a foice que, reluzente, ceifava sua vida e limpava sua cara.
Era um remédio para sua podridão, a podridão da rima, porque no resto era tara.

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Monólogo do divórcio (Ou: Ao telefone) (Ou: A cueca boxer)


─ É a puta que pariu, viu, Clodoaldo?  É a puta que pariu! 
Ou você paga a pensão das crianças ou te coloco na cadeia. A lei Maria da Penha está aí pra isso. Que me interessa que a Maria da Penha é pra mulher que apanha, Clodoaldo? Eu digo que ficar com você foi pior que apanhar com cabo de vassoura, seu cretino. 
Olha, ou você deposita ou eu acabo com sua vida e da Sharon ninfeta com quem você vive. Eu não sei onde eu estava com a cabeça quando me casei. Eu devia estar bêbada. Me deixei enganar por um abdômen de tanquinho e uma conta no banco. Que ilusão! Que ilusão! Não desliga, não, Clodoaldo, que eu to falando. Olha, meu advogado está entrando contra você. Eu te deixo passar uns dias no xadrez e tenho certeza que será um sucesso na cadeia. Suas horas de malhação não vão te deixar passar vergonha. Você vai ser a miss tanquinho, Clodoaldo. Você pensa que eu não sei que você deu um carro novinho para a Sharon? Você pensa que eu não sei? A Beth me contou tudo. Disse que te viu no restaurante da rua Amaury, com a Sharon e as amigas dela. Disse que viu você fazendo declaração pública para aquela vagabunda e entregando as chaves da Mercedes.
 Ela me falou na joia Cartier que a Sharon carregava no pescoço, disse que é capaz da moça ter que fazer RPG pra consertar o estrago do peso do peito e das joias. A Beth me contou que você está usando aliança de compromisso, Clodoaldo. É Tiffany? É Tiffany, Clodoaldo? Eu não estou chorando. Eu não estou chorando! É que eu fico emotiva porque faz tempo que não vejo uma Tiffany legítima pessoalmente. Ora, as minhas eu vendi – né, Clodoaldo? – para pagar a terapia. Sim, sim, tudo. Sim, até o relógio das bodas. Valor sentimental? Eram Bodas de Papel. E daí? Eu tive que pagar o Boris, meu terapeuta. Que to dando pro Bóris, meu filho? Se eu tivesse dando pra ele não precisava ter vendido o relógio pra pagar as consultas. Mas taí que você me deu uma boa ideia: vou dar pro Bóris e poupar o dinheiro pra comida, meu filho. Do jeito que a coisa vai, a Sharon vai abocanhar todo nosso patrimônio e nossos filhos ficarão sem arroz e feijão. Eu não tô exagerando, não. É a pura verdade. Ou você pensa que a Beth não me contou que você já está construindo uma casa para aquela vagabunda? Piscina. Piscina. A Beth me contou que foi lá ver a obra com você. Aliás, a Beth sim é uma pessoa que pensa em mim. Ela me disse que você tem usado cueca boxer. Você que sempre odiou cueca boxer, hein, Clodoaldo? Quanto que eu te pedia para dar uma repaginada nas cuecas! Mas, agora, ah, agora é tudo para agradar a Sharon. Como assim, agradar a Beth, Clodoaldo? O que a Beth tem a ver com a cueca? Ela jamais ia fazer uma coisa dessas comigo. É... Agora... você falando, não tinha pensado como ela sabia das cuecas. Eu não to chorando, meu filho. Não to chorando. Você, a Beth, a Sharon, podem comprar uma cama King Size Plus Master e dormirem todos juntos. Faça isso, seu cretino. Leve todo mundo para sua cama, mas deposite a pensão. Tchau, Clodoaldo. Pra mim chega! Vou ligar pro Boris. Quem sabe ele não aceita pagamento com vale refeição. Eu não estou chorando!

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Deixa


Deixa disso. O amor é maior que o rito.
Deixa de cara, de para, de manha. Amor é tara, é fala, é gana.
Deixa de onda, de cores confusas, de saudades obtusas.
Deixa de vir e ir e ficar onde não estou.
Ame só o amor, ame só meus olhos e meus traços.
Engana-se quem vive na amargura dos retratos
Dos sonos antigos, das sujeiras nos pratos.
Deixa disso. Vem ser infinito.
Vem casar num horizonte traçado nas minhas costas nuas.
Vem dormir onde não se dorme
Em montanhas e vales e planícies artificiais.
Vem dourar. Deixa disso.
Vem ser uma canção transpirando nos meus ouvidos.
Deixa disso, vai?
Vem ser o amor. Só isso.
Vem experimentar, deixar de ser siso.
Quem não viveu dentro de alguém, não sabe o que é a urgência da vida.
Viver dentro e morrer, um pouco, fora. Explorar e urgir por horas.
Vez ou outra, tomando água.
Deixa disso porque eu não vou embora.
Deixa disso porque minhas malas estão aqui, ainda
Fica vai? Fica porque as minhas roupas ainda secam nas suas, e
O mundo, o tudo, o de mais puro e o de mais sujo ainda precisam de nós.

terça-feira, 8 de maio de 2012

Um passo a frente, por favor.


O palhaço (Ou: Medo de Escuro)


Fechou os olhos na espera de um pensamento.
Ele sabia que teria por ali, nos arredores de suas vivências, nos subúrbios de seu palato, uma ideia a estalar seus ânimos.
Bastava um só encontro. Consoantes e vogais. E, então, diria exatamente o que sentia.
Ele era um palhaço só, na solidão de seus vermelhos.
Ele era um palhaço cru, nas manifestações de seus azuis.
Ele era um palhaço nu, nas crucificações de um picadeiro.
Que solidão era aquela que, compartilhada, ficaria mais só? Ó.
Ele poderia dizer a todos, tudo o que pensa, mas não diz.
A vida dele era tão dele, mas aqueles todos, outros, doidos, hipócritas, em órbitas alheias a dele, insistiam em dizer coisas podres em seu ouvido de palhaço.
Com que direito?
Era nisso que o palhaço pensava, enquanto abotoava seus botões.
Pensava que se tivesse uma só aventura, um jeito delicado, porém, eficaz de afastar todos os outros animais que viviam debaixo de sua tenda, o faria.
Mas era nisso que se perdia. Quando dava por si, tinha explicações na ponta da língua.
Para que?
Não sabia ele que a vida era só dele, e para ele que viviam suas próprias decisões? E que, uma vez decididas, eram para ele só vividas em caminhos únicos que caberiam no centro de sua mão?
Mas, no circo, viviam críticos. E os críticos sempre sabem o que dizer.
São deles os julgamentos todos, e eles acreditam saber o que na verdade não sabem.
Eles nem conhecem o palhaço. Não sabem por quem seus lábios imploram, nem suas lágrimas choram, nem sua língua grita, nem seu pranto dobra.
Quem são eles que só aparecem no fim do espetáculo? Que nunca levantaram uma lona, nunca esticaram um vestido, nunca domaram um menino, nunca sujaram a cara?
E o palhaço, poeta, patife, remoia essas coisas, enquanto ria.
Riso de quem sabe. Riso de quem foi viver a vida e não volta mais. Pelo menos, não para os mesmos horizontes.
Terminou de se abotoar, pegou seus sapatos engraçados, piscou para sua própria sombra, deu as mãos com sua semeadura e foi.
Foi ser palhaço. Foi ser feliz. Talvez, não de imediato, porque a vida tem rugas, mas foi ser o que deveria ser. A boca vermelha borrada de beijo e o azul do olho roubado do céu da madrugada.
Senhoras e Senhores, o circo está aberto. E o palhaço foi viver a vida que vocês só sonham, porque são covardes ao extremo, e tem medo do escuro da dúvida.


segunda-feira, 7 de maio de 2012

Treino de crianças


Mario, você conversou com o Guilherme antes desse jogo?
─ Claro. Expliquei tudo. 
─ Sei, não. Ele tá com cara de choro.
─ Claro! O técnico deixa o menino no banco!
─ O time é grande, Mario. O homem precisa fazer um rodízio da meninada. Você sabe como são os pais. Um bando de loucos. Dificilmente alguém é como nós. Lembra daquela vez que a mãe do Paulinho jogou uma lata de refrigerante na cabeça do juiz?
─ O sem vergonha expulsou o filho dela, Mônica! Fez muito bem. Eu também jogaria.
─ Como assim? O menino deu um golpe de judô no outro do mesmo time. Justo aquele que era asmático.
─ Mônica, isso aqui é futebol, minha filha. Não é balé, não. Que bom que deu o golpe. Além de bom no futebol, ele é ótimo em luta. Parabéns pra mãe dele que está criando bem o menino. Eu jogaria a lata também
─ A lata estava cheia, Mário. O pobre do juiz foi hospitalizado. Dizem que saiu do campo completamente fora de órbita. A Soninha me disse que, enquanto colocavam o homem na maca, ele cantava a música da Wanderléa. Sabe aquela? Achei o fim. A gente tem que saber separar as coisas. Eu sei muito bem que isso aqui é só um jogo de crianças. Quero que o Guilherme saiba que a mãe dele, pelo menos, tem maturidade.


─ Olha, lá, Mônica, vão colocar o Guilherme.
─ Ai, meu Deus. Vai filho! Corre! Vai! Pega a bola, pega a bola! Dribla, Gui. Dribla! Boa, filho. Não chora, Guilherme. Valeu, filho!!!!
─ Para de gritar, Monica. Tá atrapalhando o garoto.
─ Sou mãe, Mario. Se eu não der força pro menino, ele cresce com baixa auto-estima. Olha lá! Aquele grandão tá perseguindo o Gui. Chuta ele, Gui. Mamãe tá aqui. Não chora, filho. Não chora!
─ Para, Monica. Você vai arrumar confusão.
─ Não paro, não. Grito mesmo. Vai Gui. Você tá indo muito bem, filho. Você é melhor que todos eles, meu amor. Eles, perto de você, são uns frouxos, meu bem.

As outras mães que, até então, estavam quietas, olharam para Monica com o olhar que só quem já viu uma mãe ofendida conhece. É um olhar que varia entre a fúria de um neanderthal, e a cara de uma hiena selvagem e enlouquecida. Para saber bem que tipo de olhar é, basta chegar perto de uma mãe e dizer: Meu filho é melhor que o seu. Ela pode ser a Indira Ghandi. Pode ser pós- graduada em meditação. Pode estar até em coma. Veja se ela não arregaçará os dentes. Veja se ela não pegará uma lata de refrigerante cheia para tacar em você.

Mas, já era tarde para qualquer volta. Mário até pensou em puxar Monica, mas uma manada de mulheres já estava vindo na direção dela.
─ Corre, Monica! Corre!

Deu tempo do juiz - o mesmo- traumatizado, esconder-se atrás do bandeirinha.

Tudo isso já tem um mês. As aulas de futebol estão suspensas. Mônica recupera-se bem. Os médicos estão bem esperançosos. Mario tem treinado Guilherme no quintal de casa. E entre um drible e outro tem ensinado ao menino uns golpes de judô. Nunca se sabe...

A sorte da menina que escrevia (Ou: Naftalina)


Era quase naftalina. 
Era esse o cheiro dos seus escritos, das suas parlendas, dos seus enunciados. Uma leve rouquidão onde já teve um grito.
Onde se escondiam, agora, as metáforas, as rimas fáceis, os choros contidos em uma melodia repetida em versos, ou em prosa, ou em conto ou em qualquer coisa que se mexa na boca? Na língua?
É isso! Na língua que, viva dentro da boca, repetia palavras, muitas, amarradas em dança solta, com véus, com guizos, com pequenos cordões enrolados num ditongo ou num hiato.
Eram modelos, às vezes repetidos, às vezes, uma vez usados, mas eram modelos...falhos, humanos, crescentes, dourados. 
Agora, era uma rampa que ia em mão única para beira de um penhasco e cadê palavra, cadê história, cadê ofício, cadê dicionário. Era assim? Era um capricho do cérebro? Alguma coisa se perdeu dentro das curvas e ondas e neurônios e cabeleira e olha que nem era cachaça, nem era falta de uso corriqueiro. Era só mesmo um afastamento da escrita, das teclas pretas e brancas, do seu piano de gramática. Mas a leitura, que juram servir para a não-morte do pensamento, esteve com ela sempre. E nada.
Dá uma vergonha ler coisa boa; dá um sentido de escrita pessoal precipitada. Um amargo sentimento de total perda de tempo onde o tempo pode até ser inventado.
Era essa a sorte da menina que escrevia. Era o declínio do raciocínio, da linguagem, da matemática dos versos, das contas, das notas, das ausências, das presenças de suas fugas.
Ela, a menina, vai dando soquinhos de punho fechado e as coisas pulam sobre a mesa, e isso vai dando um caldo, um passa tempo, um som surdo, um som tocado e então vem aquele estalo que talvez a escrita não seja mesmo para ela, seja só por ela, seja para não publicação e sim para auto construção e, então, tudo bem.
Ela fica catando umas coisinhas sobre a cama e pensa em inúmeras rimas, constelações inteiras, subúrbios de pensamentos e vê sua imagem no vidro da janela e ela está bem, está justa, está séria, está decidida, está comedida, está uma colisão...Sai correndo para pular a vida como se pula corda, e o cheiro de naftalina vai com ela.

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Pra casar. (Ou: O caso Wellington Tererê)


Começou roendo as unhas. Toda mãe, em algum momento, nem que seja breve instante, rói a unha. Seja por desconcerto, por ódio, angústia, solidão, embaraço, ou qualquer outra coisa, ou ainda todas elas.
Essa, roía as unhas, por aquele minuto, enquanto, diante dela, Jorginho, filho único, de mãos dadas a namorada fazia cara de: “Então, mãe, diz alguma coisa”.

- É um prazer conceber, digo, conhecer você!
- Valeu, tia.

A menina tinha as pernas colocadas uma ao lado da outra, mas os joelhos estavam juntos, e os calcanhares ficavam distantes. Posição de jeca, pensou a mãe. Roia. O esmalte já tinha ido, faltava a borda do dedo, o dedo em si, talvez, com esforço, os cotovelos.

- Você faz o quê, meu bem?
- Tipo assim, em que sentido?

A mãe sentia o coração claramente dar soquinhos, e o fígado, aparentemente, tinha saído para dar umas voltas. Professora universitária, pós graduação em Boston, antropóloga, divorciada, frequente entre os que entendiam em que sentido ela falava as coisas.

- Pergunto se você estuda, trabalha... pensa....? ( A última palavra foi quase um balbucio)
- Ah!Tá! Tipo, já estudei, mas não gosto não. Tipo: Se der um dia faço supletivo e termino o colegial.
- Colegial? Quantos anos você tem, benzinho?
- Tipo, 21, mas nas revistas sai que tenho 18.

A mulher ria de nervoso, um risinho agudo, baixinho. Uma coisa nova. Ela poderia jurar que vinha de algum orifício desconhecido da sua alma. Era isso. A alma estava definitivamente furada.

- Você sai em revista? ( o risinho ficou mais alto)
- É, as vezes, por causa do caso do Wellington Tererê.

Estava concluído. O pâncreas resolveu acompanhar o fígado. A respiração acompanhava os soquinhos do coração. Parecia um soluço. Ela estava viva dentro de um soluço. Olhava a moça, os peitões armados. E as coxas? Cada uma parecia que tinha trazido uma amiga para acompanhar. Rijas, grandes, cavalares.

- E quem seria esse moço?

Daí, o filho que, até então, estava se segurando, não agüentou:

- Mãe!!! Wellington Tererê!!!! O melhor atacante da atualidade. O chute dele é uma bomba, mãe. Acabou de assinar um contrato na Europa. Milhões! O atacante do século.

O garoto estava chateadíssimo. Desdenhar da namorada já era o fim. Agora, não conhecer Wellington Tererê, era demais.
A mãe fez cara de ah ta e continuou:

- E que caso foi esse, benzinho (percebeu que era a terceira vez que chamava a moça de benzinho)
- Tipo, ele é meu marido. Daí, ele chegou outro dia e eu falei: ó tem um cara na parada. O nome dele é Jorginho, tipo, é cara fino e to te dexano.  Daí, ele me espancou. Eu fui no programa de TV e dei parte dele na polícia. Ele vai me pagar um nota. Vai ganhar em euro, né?

A mãe, já estava de pé, remexia nas gavetas a procura de um barbitúrico. Qualquer um servia. Podia ser antiácido, também; ou um valium, uma balinha de menta, um 38. Qualquer coisa valia.
Pensava nas economias que fez. Na primeira escola do Jorginho. Bilíngüe. Bilíngüe, meu Deus. Colegial no exterior. Lembrou da viagem à França para o menino conhecer a cultura, antes de começar o curso de francês. E a faculdade? E a faculdade? E os planos de pós graduação? E o parto? O menino não nascia nunca. Desgraçado. Se soubesse, deixaria ele lá entalado. Para agora, ele aparecer com essa, essa, essa, abominação. Cadê aquele cretino do Maurice quando eu preciso? Ah, ele vai ter que fazer alguma coisa. Ele que pegue esse menino e afaste dessa, dessa, dessa, Sharon. Que pai é esse que não dá conselho? Que não sacode o garoto? Onde já se viu?
A mãe puxava os cabelos das têmporas, mas Jorginho já tinha ido com a fulana para o quarto.
Cinco horas depois, a tal foi embora e Jorginho apareceu na sala. Achou a mãe sentada no chão, abraçada ao catálogo do Louvre.

- O que houve, mãe? A senhora não está bem?
- Por que, meu filho, por quê? O que foi que você viu nessa moça?
- Mãe!!!Ela é mulher do Wellinton Tererê, mãe! Pô! Wellinton Tererê!

O rapaz saiu. Orgulhoso da sua conquista. Com essa, ele casava. Sim, senhor. Essa valia a pena!

sábado, 28 de abril de 2012

Mulher de poeta


Essa espera louca e sem sentido
Querendo te engolir inteira
Te comer sem motivo
E ter você a caminhar em minhas costas
Tirar as minhas botas e calar meus ouvidos
Sussurrando suas falas             
Roçando sua cara
E ainda sim, querendo tudo e mais
E só um tanto dentro de outro tanto
Até te calar, enfim.

Essa espera louca e sem sentido
De semanas e semanas
E calores e zumbido
E minha face toda sua
E minhas pernas bambas e cruas.
E você e eu e tudo o mais
E mais alguém
Essa tristeza, essa frieza
Essa felicidade fingida e ao mesmo tempo real
Visceral. Pânico. Tântrico. Mofo.
E todas as outras pessoas
E a volta toda
E a gente toda que assiste nossos olhares
E sua feição doce, pouca, desdenhosa, intensa e tudo o mais.

Essa espera louca e sem sentido
De te ler
De te entender
E gritar minhas ânsias a quem quiser ouvir
E decidir o que quero
Se te quero
Se te amo
Se te como
Se te corno
Se te lambo
Se te louco
Se te limo
Se te mato
Em meu peito e fim.