Ela olhou pela janela.
Estava sentada de lado, com os pés
perto do estômago, as pernas encolhidas. Os pensamentos pareciam sair pela
fresta, coroados de ilusões, de uma juventude esfacelenta, de um desejo tardio
de ser doce e amada e analisada. Deixou na sala os outros móveis, a cômoda com
os livros, as capas azuis das publicações de peso, as flores, que como ela,
secas, fitavam o ambiente. Abandonou por minutos o terapeuta, que a
compreendia, que a torturava. Mal sabia ela que, no íntimo, a amava sem ética,
sem palavras, somente um condenado em seu próprio consultório, em sua própria
profissão, em seu egoísmo de não deixá-la partir. De querer ser sua muleta, seu
alquimista. Um mágico que descobre intenções, que não opina, mas que a faz
dormir embalada em seus braços, em suas poções, em seus medicamentos.
Ele disse alguma coisa e ela sorriu sem
ouvir, deixando-o na dúvida. “Será que repito?"
E o perfil, perfeito, da moça, dava a ele
a sensação de perdê-la para a simetria.
A sensação de não alcançar dentro dela o que ela havia perdido um dia, e
que a trouxera até ele.
Viu que ao lado, na têmpora, havia um
precoce fio branco que ele poderia jurar não existir na sessão passada. “Ela
vai envelhecer ao meu lado, deitada no divã, às vezes, sentada na poltrona. Será
minha, assim como as manhãs são dela. Dependerá do meu sim, da minha janela, do
meu amor”.
Ela o olhou novamente, dessa vez como
se estivesse ali. Como se regressasse da distância, do distante.
— Acho que não
venho mais. Ela disse.
Ele sentiu a face branca e fria.
Engoliu uma saliva imaginária, porque sua boca estava seca desde o momento em
que ela chegou.
— Como?
— Não venho,
entende? Não vou continuar o tratamento.
E como ele não fez nenhum comentário,
ela resolveu acabar ali a conversa.
Calou-se como se nunca tivesse dito
nada. Abriu a bolsa lentamente e procurou alguma coisa. Tirou um cigarro meio
amassado, aparentemente guardado fora do maço, no meio da carteira, do batom,
da agenda nunca consultada, dos papéis antigos de estacionamento, do extrato do
banco.
Abaixou novamente a cabeça e tocou no
fundo e trouxe à tona o isqueiro amarelo. Acendeu.
“Pensei que ela não fumasse mais”, pensou ele.
Não fez comentário. Não disse que não
era permitido fumar. Não mostrou indignação com um vício que ele julgava estar
morto. Resignou-se. Consentiu. Quase sentiu alívio por ela estar ali ainda.
— Carolina...
Ela não respondeu. Tragou profundamente
e levantou-se.
Ele disse:
— Eu ia dizer que nossa sessão terminou e...
Ele ficou de pé como se estivesse
seguindo um protocolo. E Carolina ali, diante dele. Ele estático e ela em movimento. Ela
pegou suas mãos e o trouxe para junto dela. Ele foi. Então, ela tocou seus
lábios, tragou dele e o levou por sepulturas e orquídeas. Ele, sendo beijado,
viu seu cérebro trabalhando ao contrário, tentando sobreviver. Lembrou-se de um
poema de Hilda Hilst, quis ser Túlio para que Hilda o amasse, para que fossem
para ele aqueles poemas. Pensou nas confissões de uma viúva moça e nas
narrativas Machadianas. Onde estava mesmo? Ah, sim, “Contos Fluminenses”. Que
mais? A viúva ali narrada. Sua traição. Lembrou-se de Macabéa morta no asfalto
e de Clarice Linspector na contracapa. Precisava ler mais Clarice. Precisava de
todas as mulheres: escritoras, poetas, cafetinas, moralistas, todas... Coroou o
pensamento com um soneto, quatro, quatro, três... Decassílabo... Um soneto...
Abriu os olhos e viu Carolina descansando em seus lábios e chorou.
Ela largou dele no meio da sala, entre
as poltronas e o divã, e saiu. Sem maiores diálogos, sem explicação.
Carolina, vinte anos. Carolina
depressiva, Carolina das manias, do TOC, da fibromialgia. Carolina amada.
Beijada. Curada.
Carolina perdida...