quarta-feira, 27 de junho de 2012

Melhor prevenir (Ou: Bertioga é logo ali)

Com urgência, gritou da janela:
Volta, Pedro, senão eu pulo!

Pedro, parado no meio da rua, olhou para o segundo andar de onde ela gritava.
Faça isso, Valentina. Morrer, você não vai.

Não. Mas minha mãe terá que vir de Bertioga para cuidar de mim. Uma perna quebrada pode demorar meses para sarar.
...
Calmamente, Valentina foi até a porta, e recebeu de volta Pedro que, só para garantir, trouxe flores.


terça-feira, 26 de junho de 2012

Presente (Ou: Vela)


A despeito de ela ser surda, ele trouxe música de presente para ela.
A despeito de saber-se surda, ela ouviu.
Ouvindo, maravilhou-se.
Maravilhando-se, viveu.
E descobriu que, até ali, tinha sido cega, também.
Mas, agora, vê.
E ouve.
E vive.

sábado, 23 de junho de 2012

Jacaré nada de costas


Duas coisas sobre ela:
Tinha mania de limpeza
Era alérgica a peixe.
Começou o dia fazendo faxina no facebook do marido
Não sobrou nenhuma piranha.

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Janela (Ou: Divã) (Ou,ainda: TOC)


Ela olhou pela janela.
Estava sentada de lado, com os pés perto do estômago, as pernas encolhidas. Os pensamentos pareciam sair pela fresta, coroados de ilusões, de uma juventude esfacelenta, de um desejo tardio de ser doce e amada e analisada. Deixou na sala os outros móveis, a cômoda com os livros, as capas azuis das publicações de peso, as flores, que como ela, secas, fitavam o ambiente. Abandonou por minutos o terapeuta, que a compreendia, que a torturava. Mal sabia ela que, no íntimo, a amava sem ética, sem palavras, somente um condenado em seu próprio consultório, em sua própria profissão, em seu egoísmo de não deixá-la partir. De querer ser sua muleta, seu alquimista. Um mágico que descobre intenções, que não opina, mas que a faz dormir embalada em seus braços, em suas poções, em seus medicamentos.
Ele disse alguma coisa e ela sorriu sem ouvir, deixando-o na dúvida. “Será que repito?"
E o perfil, perfeito, da moça, dava a ele a sensação de perdê-la para a simetria.  A sensação de não alcançar dentro dela o que ela havia perdido um dia, e que a trouxera até ele.
Viu que ao lado, na têmpora, havia um precoce fio branco que ele poderia jurar não existir na sessão passada. “Ela vai envelhecer ao meu lado, deitada no divã, às vezes, sentada na poltrona. Será minha, assim como as manhãs são dela. Dependerá do meu sim, da minha janela, do meu amor”.
Ela o olhou novamente, dessa vez como se estivesse ali. Como se regressasse da distância, do distante.
— Acho que não venho mais. Ela disse.
Ele sentiu a face branca e fria. Engoliu uma saliva imaginária, porque sua boca estava seca desde o momento em que ela chegou.
— Como?
— Não venho, entende? Não vou continuar o tratamento.
E como ele não fez nenhum comentário, ela resolveu acabar ali a conversa.
Calou-se como se nunca tivesse dito nada. Abriu a bolsa lentamente e procurou alguma coisa. Tirou um cigarro meio amassado, aparentemente guardado fora do maço, no meio da carteira, do batom, da agenda nunca consultada, dos papéis antigos de estacionamento, do extrato do banco.
Abaixou novamente a cabeça e tocou no fundo e trouxe à tona o isqueiro amarelo. Acendeu.
  “Pensei que ela não fumasse mais”, pensou ele.
Não fez comentário. Não disse que não era permitido fumar. Não mostrou indignação com um vício que ele julgava estar morto. Resignou-se. Consentiu. Quase sentiu alívio por ela estar ali ainda.
— Carolina...
Ela não respondeu. Tragou profundamente e levantou-se.
Ele disse:
     — Eu ia dizer que nossa sessão terminou e...

Ele ficou de pé como se estivesse seguindo um protocolo. E Carolina ali, diante dele. Ele estático e ela em movimento. Ela pegou suas mãos e o trouxe para junto dela. Ele foi. Então, ela tocou seus lábios, tragou dele e o levou por sepulturas e orquídeas. Ele, sendo beijado, viu seu cérebro trabalhando ao contrário, tentando sobreviver. Lembrou-se de um poema de Hilda Hilst, quis ser Túlio para que Hilda o amasse, para que fossem para ele aqueles poemas. Pensou nas confissões de uma viúva moça e nas narrativas Machadianas. Onde estava mesmo? Ah, sim, “Contos Fluminenses”. Que mais? A viúva ali narrada. Sua traição. Lembrou-se de Macabéa morta no asfalto e de Clarice Linspector na contracapa. Precisava ler mais Clarice. Precisava de todas as mulheres: escritoras, poetas, cafetinas, moralistas, todas... Coroou o pensamento com um soneto, quatro, quatro, três... Decassílabo... Um soneto... Abriu os olhos e viu Carolina descansando em seus lábios e chorou.
Ela largou dele no meio da sala, entre as poltronas e o divã, e saiu. Sem maiores diálogos, sem explicação.
Carolina, vinte anos. Carolina depressiva, Carolina das manias, do TOC, da fibromialgia. Carolina amada. Beijada. Curada.
Carolina perdida...

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Einstein

Ele tomou coragem,  e decidiu apenas 3 coisas:

A primeira: declarar-se
A segunda: segurá-la pela nuca.
A terceira: empurrá-la para junto da parede.
               ...


A quarta: contar coisas dentro da boca dela...
E dane-se! Nunca fora bom mesmo em matemática.

terça-feira, 19 de junho de 2012

Choro (Ou: A história da menina magoada)


Ela desamarrou o lenço do pescoço.
Olhou-se no espelho, e tirou o batom.
Escovou os cabelos como quem escova crina.
Machucou os dedos.
Tomou três goles de água. O soluço passou. As lágrimas, não.


...
Tentou três goles de vodca.
Parece que está dando certo.


segunda-feira, 18 de junho de 2012

Carta (Ou: Desavisada)


Caro Sr. Locutor.

Venho, por meio desta carta, pedir que acabe com seu programa. Saia do ar! 
Veja bem, um programa sobre amor nos tempos atuais, parece brincadeira. Não creio que existam pessoas que ainda acreditam nesta história de encontro, de amor eterno, de paixão para uma vida. Uso meu caso como exemplo: 
Vivia com Olga. Durante 29 anos vivemos juntos. Criamos nossas crianças e as vimos virarem adultos, ou quase isso. Paty, a mais velha, acaba de terminar a faculdade de direito. Precoce, formou-se e já está de passagem comprada para morar fora seis meses para aperfeiçoar o inglês. Sim, meu amigo, foi-se o tempo em que faculdade sozinha contava para alguma coisa. Camila está cursando o terceiro ano de propaganda e marketing, apesar de já demonstrar certa tendência para teatro (veja o que um pai sofre). Rodrigo, meu caçula, tem inclinações que envolvem sentar em frente à televisão, sem nenhum objetivo claro – a chamada vagabundagem.
O senhor deve estar pensando: O que eu tenho a ver com isso? Eu digo. Com todas essas mudanças em nossas vidas, eu e minha esposa doamos nosso tempo para o trabalho, com o intuito de pagar tudo isso que mencionei acima. E o tempo, bem, o tempo foi consumindo nossa face, e trazendo junto com as preocupações, uma barriguinha saliente, umas rugas sobre a boca e umas esquisitices típicas do convívio constante. O fato é que nos afastamos. E tudo seria normal e até esperado, porque, todos os casais que conheço são assim, se não fosse um episódio que nos afetou recentemente e desagradou tanto minhas expectativas. Minha mulher, orientada por uma amiga, conheceu seu programa: “O amor está no ar”. Há exatos três meses e cinco dias ela conheceu sua voz e suas idéias muito estranhas, e passou a acompanhá-lo dia após dia. A princípio, não dei importância e pensei que era coisa de mulherzinha... O amor... Mas, com o passar dos dias, ela foi adquirindo um ar jovial e foi dando para sorrir sem motivo e até, veja o senhor, até para dar umas voltinhas de valsa enquanto preparava o jantar. À medida que esses fatos foram ocorrendo, ela foi, na mesma proporção, tomando certa aversão por mim. Quando pedi um copo de água, respondeu: Pegue você! Quando disse que estava cansado, deu de ombros. Quando perguntei sobre o almoço de domingo, respondeu que comprássemos comida pronta. Aos poucos, ela foi ficando ausente, foi virando só uma sombra a rodopiar pelos cantos e passou a usar maquiagem para ir ao supermercado. Vez ou outra, suspirou; fato que me causou estranheza, afinal, Olga nunca fora dada a estas coisas. Tenho para mim, caro locutor, que a culpa de tudo isto é sua e deste seu programinha sonso que inspira ideias absurdas na cabecinha das mulheres alheias. Sua voz forçada e suas melodias bobinhas causam, em um cérebro desavisado como o de Olga, uma idéia ridícula de que o amor existe. Patético! É o que digo: patético!
Portanto, colega, esta carta é para pedir que, em nome da família, pare já com este programa. Entendeu? Pare antes que eu faça uma reclamação diretamente com a diretoria da rádio. Tenho contatos, meu amigo. Tenho contatos! Acabo com seu emprego! Não estou blefando. Sei que é seu ganha pão e a coisa vai mal por aí... Mas cada um cuida do calo que lhe aperta dentro dos sapatos. Você é meu calo!
Vou dizer só mais uma vez: Pare com este programa ou, pelo menos, mande Olga de volta para casa.

terça-feira, 12 de junho de 2012

Mini conto (Ou: Resumo)

Amou quem estava invisível.
Salvou das devastações.
Iluminou a escuridão.
Disse: Vem.
Fui.

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Maldição (Ou: Ciúmes)


Ele sabia que aquela seria sua maldição. A maldição de não esquecer. Nada. Tudo.
E o Nada e o Tudo entalhados nos seus calcanhares. Ele não esquecia.
Eram pedras a rasparem em seus pés, endurecendo suas plantas, rachando, marcando suas idas.
Era uma maldição. Não deixava nada para trás.
Não poderia nunca esquecer-se do dia de angústia, nem do furto de sua alma, nem do corte em suas carnes, nem da violência em seus pares, nem da solidão em todas as presenças.
Era uma maldição. E ele a lembrar-se da vida inteira, dos sonhos, dos sonos, das chegadas, das partidas, do sexo, do amor rompido, do primeiro, do último, da cama quente sem nexo.
Ele e o mais dentro dele. E as portas fechadas para qualquer emergência. E o ciúmes que ele tinha dela afogava suas tripas. Ele queria esquecer. Não podia.
Era o fígado que contava coisas. Era o rim que zombava dele. Cada milímetro de si corroído pela ferrugem da incerteza de ser amado.
Ele sentia ciúmes. E nunca lhe fez tanta falta a falta de memória. Por que tinha de sobra. Queria esquecer e não podia. Queria fartar-se de momentos, e dizer chega. E não podia. Queria satisfazer-se de cenas, mas elas estavam todas recicladas nas pupilas, nos nervos, na pele, no cheiro dele mesmo.
Nunca foi tão importante esquecer.
Mas o ciúmes era a presença mais presente. A navalha mais afiada. Cortava suas coxas e suas taras. Extirpava sua inocência e suas falas.
Ele queria esquecer e não podia.