terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Acorrentada (Ou: Cinema) (Ou:A história de Mariana)

Mariana,

Que fique eu, de tal mal modo (e tão somente), a rondar teu pensamento
que, ao lembrar-se de mim e de meus segredos, fiquem cheios, teus olhos fundos.
E, ao acordar, a cada manhã, reviva eu em tuas palavras e desejos
a ponto de acordar teus vizinhos com tua música
e desenhar, com recortes, em tuas partituras.

Que tua angústia cesse, no entanto
e tanto e tantas vezes
que tua liberdade seja a de outrora
e teus passos bem largos por horizontes sem fim.

Que teu caixote se abra
a ponto de sair como bala,
de caminhar para frente,
de ser você, quem sempre foi
e fique eu em teu coração e tua mente.

Beijo-te mil vezes
como em partida
mas fico, fico, fico
e te liberto, enfim...

Com forte abraço,
Jairo (Teu irmão)


segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Teresa cansada (Ou Teresa de saco cheio) (Ou Teresa vai a luta) (Ou só Teresa, mesmo)

Teresa cansou-se de tal modo de não saber de nada que decidiu-se pela total lucidez.
Tomou nas mãos seu casaco e suas galochas, e foi dar uma volta por entre seus rins.
Achou ali uns restos dela mesma: coisas de quatro ou cinco anos atrás.
Viu memórias líquidas e infantis. Ao perceber seu fígado intacto, tomou novo rumo na vida.
Resolveu o resto com dois goles de vodca.

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Líquido

Tomou um gole de veneno bem doce
desses que descem quentes na garganta.
Arrotou uma bossa quase morna
um descaroço, um desconforto

quase teve um calafrio doído
um calabouço no pescoço
teve pudor de ser ele
teve ardor de ser menos

Decidiu-se por si mesmo.
Decidiu-se por ser um poeta escroto
escreveu uma linha bem sangue
e percebeu que o veneno fazia efeito

Tomou um gole de veneno bem doce
desses que descem sexo na garganta.
Arrotou uma bossa quase prenha
um desalento, um desperdício.


terça-feira, 12 de agosto de 2014

Estação

Decidiu-se pelo desapego.
Tal decisão exige, no fundo, dedicação.
Pensou consigo: é preciso consciência.
E conscientizou-se.

Partiu para o desapego.
Tal decisão exige, no fundo, coragem.
Pensou consigo: é preciso utopia.
E sonhou em larga escala.

Chegou ao desapego.
Tal decisão exige, no fundo, frieza.
Pensou consigo: é preciso liberdade.
E percebeu-se escravo.

Não poderia ir a lugar algum sem toda a bagagem.
Por isso, pegou todas as malas, colocou-as em um vagão e disse: vão.
O desapego que podia exercer não era sobre si e sim sobre o outro.
Mas não ficou na estação. Voltou para casa. A pé.

Tinha feito o que podia. Libertou seus pertences por crer que não eram dele.
Disse aos seus: vão embora. Não precisam mais de minha rota. Me custa muito dizer que preciso.
E os seus partiram, também.
Olhou-se no espelho e viu-se só.
Mas a solidão poética dos que devem viver só.
E escreveu. Escreveu um texto velho, bem velho.
Leu e disse: Era a razão um algoz muito severo. Viva eu, agora, a fluidez.



domingo, 10 de agosto de 2014

Riscos



Dizer não, e colocar-se.
Abrigar-se em abraços firmes e verdadeiros. 
Calar-se em solidão produtiva.
Querer ou não querer e fazer valer até o calor de suas angústias. 
De tal modo, e tanto, que ao viver o amor ou desencanto,
Tenha para si a culpa ou a certeza de que responde por suas escolhas ou renúncias.