Ele sabia que aquela seria
sua maldição. A maldição de não esquecer. Nada. Tudo.
E o Nada e o Tudo entalhados
nos seus calcanhares. Ele não esquecia.
Eram pedras a rasparem em
seus pés, endurecendo suas plantas, rachando, marcando suas idas.
Era uma maldição. Não deixava
nada para trás.
Não poderia nunca esquecer-se
do dia de angústia, nem do furto de sua alma, nem do corte em suas carnes, nem
da violência em seus pares, nem da solidão em todas as presenças.
Era uma maldição. E ele a
lembrar-se da vida inteira, dos sonhos, dos sonos, das chegadas, das partidas,
do sexo, do amor rompido, do primeiro, do último, da cama quente sem nexo.
Ele e o mais dentro dele. E
as portas fechadas para qualquer emergência. E o ciúmes que ele tinha dela afogava
suas tripas. Ele queria esquecer. Não podia.
Era o fígado que contava
coisas. Era o rim que zombava dele. Cada milímetro de si corroído pela ferrugem
da incerteza de ser amado.
Ele sentia ciúmes. E nunca
lhe fez tanta falta a falta de memória. Por que tinha de sobra. Queria esquecer
e não podia. Queria fartar-se de momentos, e dizer chega. E não podia. Queria
satisfazer-se de cenas, mas elas estavam todas recicladas nas pupilas, nos
nervos, na pele, no cheiro dele mesmo.
Nunca foi tão importante
esquecer.
Mas o ciúmes era a presença
mais presente. A navalha mais afiada. Cortava suas coxas e suas taras.
Extirpava sua inocência e suas falas.
Ele queria esquecer e não
podia.
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