segunda-feira, 18 de junho de 2012

Carta (Ou: Desavisada)


Caro Sr. Locutor.

Venho, por meio desta carta, pedir que acabe com seu programa. Saia do ar! 
Veja bem, um programa sobre amor nos tempos atuais, parece brincadeira. Não creio que existam pessoas que ainda acreditam nesta história de encontro, de amor eterno, de paixão para uma vida. Uso meu caso como exemplo: 
Vivia com Olga. Durante 29 anos vivemos juntos. Criamos nossas crianças e as vimos virarem adultos, ou quase isso. Paty, a mais velha, acaba de terminar a faculdade de direito. Precoce, formou-se e já está de passagem comprada para morar fora seis meses para aperfeiçoar o inglês. Sim, meu amigo, foi-se o tempo em que faculdade sozinha contava para alguma coisa. Camila está cursando o terceiro ano de propaganda e marketing, apesar de já demonstrar certa tendência para teatro (veja o que um pai sofre). Rodrigo, meu caçula, tem inclinações que envolvem sentar em frente à televisão, sem nenhum objetivo claro – a chamada vagabundagem.
O senhor deve estar pensando: O que eu tenho a ver com isso? Eu digo. Com todas essas mudanças em nossas vidas, eu e minha esposa doamos nosso tempo para o trabalho, com o intuito de pagar tudo isso que mencionei acima. E o tempo, bem, o tempo foi consumindo nossa face, e trazendo junto com as preocupações, uma barriguinha saliente, umas rugas sobre a boca e umas esquisitices típicas do convívio constante. O fato é que nos afastamos. E tudo seria normal e até esperado, porque, todos os casais que conheço são assim, se não fosse um episódio que nos afetou recentemente e desagradou tanto minhas expectativas. Minha mulher, orientada por uma amiga, conheceu seu programa: “O amor está no ar”. Há exatos três meses e cinco dias ela conheceu sua voz e suas idéias muito estranhas, e passou a acompanhá-lo dia após dia. A princípio, não dei importância e pensei que era coisa de mulherzinha... O amor... Mas, com o passar dos dias, ela foi adquirindo um ar jovial e foi dando para sorrir sem motivo e até, veja o senhor, até para dar umas voltinhas de valsa enquanto preparava o jantar. À medida que esses fatos foram ocorrendo, ela foi, na mesma proporção, tomando certa aversão por mim. Quando pedi um copo de água, respondeu: Pegue você! Quando disse que estava cansado, deu de ombros. Quando perguntei sobre o almoço de domingo, respondeu que comprássemos comida pronta. Aos poucos, ela foi ficando ausente, foi virando só uma sombra a rodopiar pelos cantos e passou a usar maquiagem para ir ao supermercado. Vez ou outra, suspirou; fato que me causou estranheza, afinal, Olga nunca fora dada a estas coisas. Tenho para mim, caro locutor, que a culpa de tudo isto é sua e deste seu programinha sonso que inspira ideias absurdas na cabecinha das mulheres alheias. Sua voz forçada e suas melodias bobinhas causam, em um cérebro desavisado como o de Olga, uma idéia ridícula de que o amor existe. Patético! É o que digo: patético!
Portanto, colega, esta carta é para pedir que, em nome da família, pare já com este programa. Entendeu? Pare antes que eu faça uma reclamação diretamente com a diretoria da rádio. Tenho contatos, meu amigo. Tenho contatos! Acabo com seu emprego! Não estou blefando. Sei que é seu ganha pão e a coisa vai mal por aí... Mas cada um cuida do calo que lhe aperta dentro dos sapatos. Você é meu calo!
Vou dizer só mais uma vez: Pare com este programa ou, pelo menos, mande Olga de volta para casa.

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