quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Sopro

Colocou uma flor de angélica no parapeito e perfumou os dedos.
Os olhos molhados, brilhantes, brilhosos, visivelmente intrusos no mundo.
Olhava a sua volta uma nova vida, embebida em um licor de cassis.
Passara a vida em cárcere privado, com banheiro privativo, e suas podridões passaram a fazer parte dele mesmo. Cheirava a bosta. Viveu tempo demais sequestrado perto das suas evacuações e das alheias, também.
Sabia que era necessário tomar um banho. Saiu de onde estava e encheu um balde com água. Entrou. Não duvidou caber ali. Sabia que havia diminuído muito de tamanho. Foi ficando com a medida exata daquilo que acreditava que fosse: quase nada. Saiu do banho, perfumado. E parecia alguns centímetros maior. Voltou ao parapeito e viu um pássaro grená e azul. Sorriu. Cresceu uns centímetros.
Decidiu dentro do próprio peito que poderia ser muito além do que estava sendo. E, já que suas correntes haviam cedido, já que não era mais refém dele mesmo, muito menos dos outros, poderia deixar-se ao vento para que Deus soprasse novamente em suas narinas.
Deus, então, tomado de misericórdia, pegou aquele ser pelas costelas, e soprou profundamente.E disse: não se aparte mais. Quem se exclui da vida, não vive. Quem se expõe, vive. E, acima de tudo, quem não teme o novo, eterniza-se.
Saiu, aquele homem, para o mundo. E teve que abaixar-se um pouco na saída, porque não passava mais pela porta.

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