quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Rede cheia (Ou: O menino) (Ou: Birisca)

Passou a infância pescando, ali, com o avô.
Único neto homem, fez uma aliança de afeto.
Profunda.
Intensa.
Agora, voltara. Era uma tentativa de buscar alguma coisa que tinha ficado ali.
Perdida nas paredes. Na geladeira antiga. No forno a lenha. Na bomba d´água.
Procurou no escuro. Acendeu a memória. Tateou as prateleiras.
O baralho espanhol para jogar birisca, não tinha mais. Uma mão. Uma rodada.
Nada tinha cheiro. Tanto tempo. Era um homem feito. E não tinha cheiro, ali.
Achou a vara de pesca que tantas vezes viu o avô carregar.
Primeiro, segurou firme. Fechou os olhos, e lembrou-se do desejo infantil de um dia pescar com ela.
Os peixes seriam todos seus, como eram do avô.
Limpou com cuidado. Chorou ao desatar a volta que prendia a linha com o chumbo, na argola da vara.
Aquele nó foi dado pelas mãos fortes que ele conheceu tão bem. O último laço. O último cuidado.
Carregou tudo firmemente. Fez planos de resgate.
Voltou de lá sem nenhum peixe, mas as ausências, todas, eram mais suas, agora. As presenças mais nuas.
E ele foi menino, então.

2 comentários:

  1. Teu texto contrasta os sentidos ao redor das ausências e presenças. Muito bom! Beijos querida

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  2. "...mas as ausências, todas, eram mais suas, agora..."

    bem bonito.
    ele merece!

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