terça-feira, 21 de agosto de 2012

Natimorto (Ou: História de terror) (Ou: A vida do natimorto)

Nasceu morto.
Ninguém disse a ele.
Não lhe deram um nome, mas também não enterraram seu corpo miúdo.
Sua mãe já tinha tentado ter outros filhos. Perdendo todos, foi ele, o sucesso.
Mas não estava morto? Sim, estava. Porém, tudo é relativo. Diante de seus irmãos que não tinham conseguido viver naquele útero mais que três meses, ele era um bom bebê. Nove meses, afinal.
Cabelos bem pretos. Bem lisos. A ponto de ficarem em pé.
Cuidaram dele. E já que estava morto, não o deixaram viver.
Colocaram roupas. Fingiram que era um bebê incrível.
Diziam aos amigos: Olhem que lindo. Cabelos para cima. Vejam, tem 9 meses e anda.
Mas todos sabiam que aquilo era uma mentira. Menos o bebê. Ninguém tinha contado para ele.
Ninguém teve coragem de dizer em seus pequenos ouvidos: Você fracassou, também.
Cresceu morto.
Quando era perguntado pela própria vida por onde gostaria de ir, não tinha resposta.
Percebia que os outros tomavam rumo, decidiam coisas, escolhiam suas faculdades, abandonavam suas escolhas, viviam amores, deixavam seus amores. E ele não podia.
Aos poucos, como não era capaz de viver, começou a sabotar a vida dos outros que viviam.
E, por não compreender que os outros tinham direitos, afinal, tinham realmente nascido, fazia de tudo para que a felicidade alheia durasse bem pouco. E mesmo os que o amavam foram precisando de ar, porque ele, apesar de não respirar, tirava o ar de quem vivia.
Um dia, olhou para si mesmo e tomou um susto. Estou morto, pensou. Como não tinha visto antes?
Tocou sua pele, seus cabelos escuros, seus olhos bem grandes e viu que tinha sido uma mentira. Estava morto. E viu uma coisa muito pior, estava matando quem estava a sua volta por não deixar vida para ninguém.
Foi então que deitou-se embaixo de uma grande árvore. Com raízes bem profundas. Tronco gigantesco.
Deitou-se e ficou na posição que conhecia bem. Fetal. Fechou os olhos e, finalmente, morreu. Morreu para ele e para os outros. E, para dizer bem a verdade, finalmente entendeu a vida e foi feliz.

Nenhum comentário:

Postar um comentário