quinta-feira, 26 de abril de 2012

As mulheres de Machado



O Poeta, cansado das suas ousadias,
tão próprias e dissimuladas,
decidiu escrever outro livro,
de outra maneira,
de outro punho,
com outras taras.

Decidido o assunto,
burlando as regras,
fez nova gramática,
novos espetáculos,
novas métricas.

Deixou de lado Beatriz,
devolveu Patrícia,
cimentou Carolina,
e descobriu que amava,
que delirava,
que expandia novamente.

Larissa tinha pintas
espalhadas,
definidas.
Tinha colo,
ombro desnudo,
olhos grandes,
obsessões Machadianas.

E era um novo poema
a desiludi-lo desde cedo.
Era tão fracasso
quanto os seu antigos,
quanto os espartilhos
que guardava no armário.

Era poeta de caricatos,
de cinturas apertadas,
de sombrios beijos,
de um toque que lhe exigia a alma.
  
E se soubessem do que era capaz,
se ouvissem sua voz rouca e seu despertar
por certo o amariam,
caberiam nele
leriam suas peças
seus poemas acabados,
repetitivos,
de desejos não consumidos,
só escritos,
só apagados.

Nas lousas de sua casa
com giz escarlate,
com a pele descoberta,
era assim que compunha:
sentado num banco de piano
que morreu com a última nota.

Era o desprazer de escrever
sabendo que remotamente seria feliz.
Porque poeta que sorri,
que leciona otimismo,
que soletra rápido,
que não se aflige,
não é poeta,
é outra coisa,
é outra gíria,
é outro mundo.

E no mundo
que esse poeta vive
só cabe poema,
só cabe caneta,
calcada, tarada,
teimosa, cruenta.

Só cabem mulheres
de dedos longos,
que repousam em pianos inexistentes,
que clareiam as noites
com a brancura de seus dentes.

O sonho do Poeta era de viver
amarrado em lenços,
Dormir.
E, dormindo repousado,
ouvir no fundo da madrugada
um suspiro,
uma tecla,
um rodopio,
um salão como de antigamente.

O Poeta quer ser antigo,
quer sofrer em ambientes largos,
quer deitar-se na sua cama
enquanto você lê este poema;
quer dormir do seu lado
quer fazer você rimado,
quer acordar com sua ausência,
quer fazer, do seu amor marginalizado,
outro livro,
outro tiro,
outro cuidado.

Agora mesmo dorme
recostado que está nos seus ombros.
Enquanto você lê este poema,
que começa dentro de outro,
ele o seduz a ir com ele,
a morar no seu quarto,
a usar espartilho,
a caminhar sobre giz

Até que, ao final da manhã,
amanhecerá novamente,
e você ,descuidada e nua,
porá seus pés no chão,
comerá apenas grãos,
viverá só de poesia,
vestirá só partitura,
e verá que loucura é viver
sem poeta no colchão.

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