quinta-feira, 19 de abril de 2012

Úvula


Não pedi para ser poeta. 
Nasci assim, e acostumei-me a, mil vezes, rimar as mesmas coisas,
 a ter uma palavra viva na outra, num tormento caótico e sem fim. 
Aceitei como se aceita uma marca de nascença: uma pinta, uma mancha em forma de mapa, igual aquela que a moça tem na canela.
Se me dizem grão, penso: turbilhão.
Se me dizem mundo, penso: você.
Se me dizem poema, penso: Neruda.
Se me dizem vida, penso: será?
Se me dizem qualquer coisa, qualquer vírgula, penso: ponto.
E se tenho que ser poeta, se devo ser confusão, que seja assim constante meu amor, 
meu delírio, minha inconstante servidão.
 Escrava, muitas vezes, de textos que nem parecem meus.
Não pedi para ser poeta, assim como não pedi para ser alguém. 
Não pedi para escrever a vida, não sofri por não ser pagão, não sei saber que não sei, 
mas sei que escrevo na contra mão. 
Batizei meus textos em púrpura, rabisquei seu nome na mão, 
feri meus lábios na úvula do seu beijo de clarão.
No céu da sua boca tem um livro que tateio em braile lingual.
Não pedi para amar perdido, não sei ser poeta limpo, não posso esconder seu rosto, 
nas minhas mãos sangrantes.
Não posso esquecer que as linhas vem amarradas como algemas, 
e me prendem num lírico sonho escrito, nas nuances de sua pele.

Beijo-te a fronte, poeticamente deliro, sofro mais vezes que o mundo. 
Sou poeta. 
Sou poeta e declino

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