quinta-feira, 19 de abril de 2012

Resignadas



Quando duas mães encontram-se no elevador, é sempre aquele sorriso de resignação. 
Uma delas puxa a conversa entre o décimo segundo e a garagem:
— E aí?
A outra entende tudo. Há um dialeto entre as mães. Não há necessidade de frases complexas, introduções, figuras de sintaxe. Não. Na verdade, não precisaria nem do “e aí?” Bastaria um arquear de sobrancelhas.
— Estamos indo...
— Nem me fale. O Augustinho chegou em casa, hoje, e jogou o boletim na mesa da cozinha.
— E, então? Passou?
— E eu sei, minha filha? Não olhei. A psicóloga falou para eu dar autonomia para o menino. Disse que eu pego muito no pé e coisa e tal. O menino está precisando de espaço.
— Mas você não disse nada?
— Disse! Disse: Puxa, meu filho, outra tatuagem?
— Não me diga! Ele se tatuou?
— Sim. Aliás, essa que eu vi hoje é a mais recente. Se não me falha a memória, é a décima terceira. Não. Contando com a maior, deve ser um pouco mais.
— Ah, ele tem outra maior, é?
— Maior? Ele tem uma tribal que começa na nuca e termina no calcanhar.
— E você deixou?
— Deixei? Ele não me perguntou. Juntou o dinheiro que ganha de Natal, da avó, desde os cinco anos de idade e fez. Pronto. Ele foi até um senhor chamado Mr. Pain Tatoo e fez, minha filha. Quando eu vi, peguei aquele tamanco holandês que o pai dele me trouxe daquela viagem fatídica e dei na cabeça do menino. Fui chamada pela psicóloga.

Nesse meio tempo, as duas já tinham chegado à garagem e conversavam paradas perto da porta do elevador e amassavam o molho de chaves nas mãos.

— E, então? A psicóloga te ajudou à por limite?
— Ela disse que o menino tem uma queda pelas artes. Me mandou para o psiquiatra. Tô medicada.
— Que coisa. E eu achando que o moicano da Tamires era um problemão. Cabelo cresce, pelo menos.
— Sei não.
— Como assim: sei não?
— Ele disse que a Tamires foi com ele no tal Mr. Pain Tatoo.
— Ai, meu Pai. Se essa menina aprontou uma dessas comigo... Olha, reserva o outro pé do tamanco holandês.
— Não quero te assustar. Se eu fosse você daria uma olhada na virilha da menina. Talvez você encontre alguma coisa parecendo uma fada usando o sutiã pontudo da Madonna.
A outra põe a mão onde um dia bateu um coração saudável.
— Minha Nossa Senhora da Bicicletinha, me dá equilíbrio. É hoje que acabo com aquela menina. Não bastava aquele buraco na orelha?
— Alargador.
— Como?
— O buraco. Chama alargador.
— Gente, eu estou criando uma aborígene. Aquela orelha. É uma aborígene punk. O cabelo... E agora, você me fala da bruxa com meia arrastão.
— Na verdade, é uma fada. E o sutiã da Madonna. Sabe qual é? Aquele pontudo... Uma coisa assim ó!

Com a mão, aquela mãe fazia movimentos esquisitos explicando a ponta do peito da fada.
O zelador passou, viu a cena e pensou. Só podiam ser mães daqueles lá.
Aqueles lá. As mães criam os filhos e eles viram aqueles lá. Na melhor das hipóteses: as coisas. Às vezes, até sai um carinhoso “os pestes”

— A Tamires que me aguarde. Mais tarde eu passo na sua casa para pegar o tamanco. Aliás, aproveita e separa o telefone do psiquiatra. Melhor, já me adianta o nome do remedinho que eu já vou tomando para adiantar. Eu passo daqui uma hora para pegar tudo. Agora eu preciso ir buscar o poodle, que ficou fazendo trança no pet shop.
— Jura? Ele ta crescidinho?
— Crescidinho? Ele está uma bola. Tão branquinho. Não tem uma manchinha. Macio. Cheiroso. Vai lá em casa para ver. Você está devendo uma visitinha para ele. Ele ama visita.
— Vou, sim. Depois passo lá, levo uma lembrancinha para ele e já deixo as coisas que você pediu.
— Maravilha!

Saíram, as duas. Cada uma no seu carro. Com um sorriso resignado no rosto: o poodle sim era uma graça !




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