Está aberta a zona!
Está
decretada, a partir de agora, a escrita liberta e doente.
As meretrizes
caminham em vestidos longos, e perfuram o chão com seus saltinhos pontudos; perfumam as taras todas com gotinhas oleosas delas mesmas.
O cabelo, emaranhado na nuca, enrosca em dentes e fornalhas a queimarem as tripas alheias.
O cabelo, emaranhado na nuca, enrosca em dentes e fornalhas a queimarem as tripas alheias.
É um
cheiro, é uma calda, é uma orquestra inteira retumbando entre pernas.
As canetas estão cheias de
tinta, e é proibido escrever à máquina, por ela ou com ela.
Os poetas estão à solta e cheiram o pescoço das moças
e deliram na dobra entre a cabeça e o ombro. Estão todos cheios de partituras e de lenços, e mordiscam os lábios pintados das concubinas e das meninas recém chegadas de Belo Horizonte, do Rio e de Goiás.
Os poetas estão à solta e cheiram o pescoço das moças
e deliram na dobra entre a cabeça e o ombro. Estão todos cheios de partituras e de lenços, e mordiscam os lábios pintados das concubinas e das meninas recém chegadas de Belo Horizonte, do Rio e de Goiás.
Está aberta a temporada da
escrita propriamente dita, dos escritores malditos
e dos sussurros que virarão livros.
e dos sussurros que virarão livros.
As pernas longas e brancas de Valentina enroscam nos poetas e nos destemperados
e uivam na lascívia da carne e nas medidas e nas métricas obscuras.
É
necessário alguém sóbrio para copiar os versos que dos quartos berram os
poetas.
É necessário que tenha bom ouvido e que conheça, a distância, o que é legítimo e o que não será publicado. Deve diferenciar o que é gemido e o que é rima.
Deve acender todos os candelabros pontualmente à meia noite, porque, caso contrário,
os pensamentos morrem na entrada da madrugada.
É necessário que tenha bom ouvido e que conheça, a distância, o que é legítimo e o que não será publicado. Deve diferenciar o que é gemido e o que é rima.
Deve acender todos os candelabros pontualmente à meia noite, porque, caso contrário,
os pensamentos morrem na entrada da madrugada.
É necessário também contratar
mais funcionários. Mande chamar a Rosinha e diga a ela que a menina do quarto
azul está precisando de uma pincelada nas maçãs do rosto porque está pálida, a
pobrezinha. Chame o Wladimir para comprar mais gelo porque os copos estão todos
cheios, mas a meretriz está com sede.
Está aberta a temporada dos
papéis soltos e das promessas de quem será a musa escolhida: a prostituta que
amarrará o poeta pela leitura de suas costas nuas.
Pode dizer, lá no fim da rua,
que, final de ano, sai livro novo coberto pela poeira do nosso calabouço e
pelas cruezas da nossa espinha.
Pode
dizer. Pode dizer.
Vá lá na minha casa e diga
para patroa que não volto mais, não.
Que as crianças já estão crescidas e que a solteirice me chama todo dia e, por isso,
meus poemas estão um saco de adubo fermentado. Diga que não posso mais viver com a certeza de que, na vida, é que vou vender mais livro.
Que as crianças já estão crescidas e que a solteirice me chama todo dia e, por isso,
meus poemas estão um saco de adubo fermentado. Diga que não posso mais viver com a certeza de que, na vida, é que vou vender mais livro.
Vá lá na quitanda, seu menino, e diga para o fulano, a
quem eu devo minhas cachaças, que não moro mais em casa de família e que vou
escrever alguma coisa cheia de vinagre e que, se puder, pago outro dia.
Mande afiar as facas.
Mande
Cléo vir até perto de minha perna e puxar minhas meias mais para cima porque estou com
frio.
Está aberto o meretrício da
leitura, da escrita anônima, da safadeza da métrica imunda.
Vá comprar mais pão e me traga os sacos para escrever ali meus horizontes em giz.
Vá comprar mais pão e me traga os sacos para escrever ali meus horizontes em giz.
Os poetas estão em fogo,
estão ventaniando, estão caluniando, estão partilhando, estão inventando o que
será a nova sensação das livrarias. Poema vai vender como água em deserto ao
meio dia. Todo mundo lerá poema sem puxar a boca para o lado. Sem achar que é
coisa de mulherzinha. Todo mundo que diz para o poeta escrever outra coisa,
escrever auto-ajuda que dá mais tesouro, escrever bonitinho que não causa cólera,
maneirar nas loucuras e nas metáforas, vai engolir a língua.
O Poeta está dizendo: Calem a boca, seus inúteis, porque o dom não pode ser mantido numa caixinha colorida. Deu para entender? O Poeta está vivendo na podridão.
O Poeta está dizendo: Calem a boca, seus inúteis, porque o dom não pode ser mantido numa caixinha colorida. Deu para entender? O Poeta está vivendo na podridão.
É na
torre imunda que vive uma Rapunzel que chora nas noites escuras. Ninguém, veja
bem, ninguém vai tirar a menina de lá até que o Poeta dê a ordem de estar de
volta o tempo das inocentes puras. Agora, ele só quer dizer a que veio.
Você
está entendendo, seu menino? Vamos parar com as cretinices, com a
sem-vergonhice de achar que o Poeta não percebe o ar condescendente quando lhe
perguntam do novo livro. Está fechada a temporada da cara de misericórdia pelo
Poeta que sabe que escreve para pouca gente. Este é o prefácio do prefixo.
É o “antes de tudo”, para que não fiquem dúvidas.
É o “antes de tudo”, para que não fiquem dúvidas.
Está aberta a temporada das
mulheres lindas e estúpidas, dos poetas cafetões da literatura que escrevem
para vender, que ejaculam poemas como quem cospe o escarro.
O poeta ri dos que o levam a sério. É tudo ironia. É tudo fingimento, não percebe?
O poeta ri dos que o levam a sério. É tudo ironia. É tudo fingimento, não percebe?
Às gargalhadas é que ele lhe
dirige estas palavras, imaginando sua cara de reprovação.
Lá da casa púrpura, ele ouve
os tormentos e diz que está livre. Está prepotente, este Poeta. Está demente.
Está cheio de soberba. Está um dramalhão.
Vá lá, seu menino, e chame o açougueiro,
porque está aberta a temporada.
Está aberta.
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