quinta-feira, 19 de abril de 2012

TEMPORADABERTA- O fingimento


 Está aberta a zona!
 Está decretada, a partir de agora, a escrita liberta e doente. 
 As meretrizes caminham em vestidos longos, e perfuram o chão com seus saltinhos pontudos; perfumam as taras todas com gotinhas oleosas delas mesmas. 
O cabelo, emaranhado na nuca, enrosca em dentes e fornalhas a queimarem as tripas alheias. 
 É um cheiro, é uma calda, é uma orquestra inteira retumbando entre pernas.
 As canetas estão cheias de tinta, e é proibido escrever à máquina, por ela ou com ela.
  Os poetas estão à solta e cheiram o pescoço das moças
 e deliram na dobra entre a cabeça e o ombro. Estão todos cheios de partituras e de lenços, e mordiscam os lábios pintados das concubinas e das meninas recém chegadas de Belo Horizonte, do Rio e de Goiás.
Está aberta a temporada da escrita propriamente dita, dos escritores malditos
 e dos sussurros que virarão livros. 
As pernas longas e brancas de Valentina enroscam nos poetas e nos destemperados e uivam na lascívia da carne e nas medidas e nas métricas obscuras. 
É necessário alguém sóbrio para copiar os versos que dos quartos berram os poetas.
 É necessário que tenha bom ouvido e que conheça, a distância, o que é legítimo e o que não será publicado. Deve diferenciar o que é gemido e o que é rima. 
Deve acender todos os candelabros pontualmente à meia noite, porque, caso contrário, 
os pensamentos morrem na entrada da madrugada.
É necessário também contratar mais funcionários. Mande chamar a Rosinha e diga a ela que a menina do quarto azul está precisando de uma pincelada nas maçãs do rosto porque está pálida, a pobrezinha. Chame o Wladimir para comprar mais gelo porque os copos estão todos cheios, mas a meretriz está com sede.
Está aberta a temporada dos papéis soltos e das promessas de quem será a musa escolhida: a prostituta que amarrará o poeta pela leitura de suas costas nuas.
Pode dizer, lá no fim da rua, que, final de ano, sai livro novo coberto pela poeira do nosso calabouço e pelas cruezas da nossa espinha.
Pode dizer. Pode dizer.                                                                                 
Vá lá na minha casa e diga para patroa que não volto mais, não. 
Que as crianças já estão crescidas e que a solteirice me chama todo dia e, por isso, 
meus poemas estão um saco de adubo fermentado. Diga que não posso mais viver com a certeza de que, na vida, é que vou vender mais livro. 
Vá lá na quitanda, seu menino, e diga para o fulano, a quem eu devo minhas cachaças, que não moro mais em casa de família e que vou escrever alguma coisa cheia de vinagre e que, se puder, pago outro dia.
Mande afiar as facas.
Mande Cléo vir até perto de minha perna e puxar minhas meias mais para cima porque estou com frio.
Está aberto o meretrício da leitura, da escrita anônima, da safadeza da métrica imunda.
 Vá comprar mais pão e me traga os sacos para escrever ali meus horizontes em giz.
Os poetas estão em fogo, estão ventaniando, estão caluniando, estão partilhando, estão inventando o que será a nova sensação das livrarias. Poema vai vender como água em deserto ao meio dia. Todo mundo lerá poema sem puxar a boca para o lado. Sem achar que é coisa de mulherzinha. Todo mundo que diz para o poeta escrever outra coisa, escrever auto-ajuda que dá mais tesouro, escrever bonitinho que não causa cólera, maneirar nas loucuras e nas metáforas, vai engolir a língua. 
O Poeta está dizendo: Calem a boca, seus inúteis, porque o dom não pode ser mantido numa caixinha colorida. Deu para entender? O Poeta está vivendo na podridão. 
É na torre imunda que vive uma Rapunzel que chora nas noites escuras. Ninguém, veja bem, ninguém vai tirar a menina de lá até que o Poeta dê a ordem de estar de volta o tempo das inocentes puras. Agora, ele só quer dizer a que veio. 
Você está entendendo, seu menino? Vamos parar com as cretinices, com a sem-vergonhice de achar que o Poeta não percebe o ar condescendente quando lhe perguntam do novo livro. Está fechada a temporada da cara de misericórdia pelo Poeta que sabe que escreve para pouca gente. Este é o prefácio do prefixo.
 É o “antes de tudo”, para que não fiquem dúvidas.
Está aberta a temporada das mulheres lindas e estúpidas, dos poetas cafetões da literatura que escrevem para vender, que ejaculam poemas como quem cospe o escarro. 
O poeta ri dos que o levam a sério. É tudo ironia. É tudo fingimento, não percebe?
Às gargalhadas é que ele lhe dirige estas palavras, imaginando sua cara de reprovação.
Lá da casa púrpura, ele ouve os tormentos e diz que está livre. Está prepotente, este Poeta. Está demente. Está cheio de soberba. Está um dramalhão.
Vá lá, seu menino, e chame o açougueiro, porque está aberta a temporada. 
Está aberta.





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