segunda-feira, 7 de maio de 2012

A sorte da menina que escrevia (Ou: Naftalina)


Era quase naftalina. 
Era esse o cheiro dos seus escritos, das suas parlendas, dos seus enunciados. Uma leve rouquidão onde já teve um grito.
Onde se escondiam, agora, as metáforas, as rimas fáceis, os choros contidos em uma melodia repetida em versos, ou em prosa, ou em conto ou em qualquer coisa que se mexa na boca? Na língua?
É isso! Na língua que, viva dentro da boca, repetia palavras, muitas, amarradas em dança solta, com véus, com guizos, com pequenos cordões enrolados num ditongo ou num hiato.
Eram modelos, às vezes repetidos, às vezes, uma vez usados, mas eram modelos...falhos, humanos, crescentes, dourados. 
Agora, era uma rampa que ia em mão única para beira de um penhasco e cadê palavra, cadê história, cadê ofício, cadê dicionário. Era assim? Era um capricho do cérebro? Alguma coisa se perdeu dentro das curvas e ondas e neurônios e cabeleira e olha que nem era cachaça, nem era falta de uso corriqueiro. Era só mesmo um afastamento da escrita, das teclas pretas e brancas, do seu piano de gramática. Mas a leitura, que juram servir para a não-morte do pensamento, esteve com ela sempre. E nada.
Dá uma vergonha ler coisa boa; dá um sentido de escrita pessoal precipitada. Um amargo sentimento de total perda de tempo onde o tempo pode até ser inventado.
Era essa a sorte da menina que escrevia. Era o declínio do raciocínio, da linguagem, da matemática dos versos, das contas, das notas, das ausências, das presenças de suas fugas.
Ela, a menina, vai dando soquinhos de punho fechado e as coisas pulam sobre a mesa, e isso vai dando um caldo, um passa tempo, um som surdo, um som tocado e então vem aquele estalo que talvez a escrita não seja mesmo para ela, seja só por ela, seja para não publicação e sim para auto construção e, então, tudo bem.
Ela fica catando umas coisinhas sobre a cama e pensa em inúmeras rimas, constelações inteiras, subúrbios de pensamentos e vê sua imagem no vidro da janela e ela está bem, está justa, está séria, está decidida, está comedida, está uma colisão...Sai correndo para pular a vida como se pula corda, e o cheiro de naftalina vai com ela.

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