terça-feira, 22 de maio de 2012

Trilha


Ela vinha caminhando numa longa, longa noite. E seu olhar tinha um nada, quase inteiro, a sombrear as vistas. E os cílios, curtos, retos, estavam baixos não de tristeza, mas de emoção.
Ela vinha caminhando numa longa, longa noite. E suas mãos estavam abertas a procura de coisas para tatear. Era em braile que ela aprendia. Mas não era cega. Via.
Ela vinha caminhando numa longa, longa noite. E suas pernas iam fortes e musculosas. Não era ginástica. Era de uso extremo em subidas íngremes.
Ela vinha caminhando numa longa, longa, longa noite azul. Noite prenha de notícias. Noite parideira.
Ela vinha caminhando numa longa, longa, longa noite carmim. Não era sangue.
Era fogo.
Ela vinha cambaleando numa longa, longa noite sem fim. Mas não era eterno. Era medo.
Ela vinha cochilando numa longa noite que acabaria ali. Mas não era fim. Era tá.
Ela vinha acesa em fogo carmim, numa noite longa azul, com seus cílios curtos e baixos, e um nada, inteiro, nas pupilas limpas.
Ela vinha, então, agora, nesse instante, bem acordada, reluzente porque aprendeu o que faltava, inteira porque  ela mesma consumiu seu nada, caminhando duramente, seguramente nas estradas e calçadas.
Ela vinha feliz e perfumada, sabiamente articulada, espertamente afastada do que não era seu.
Pegou o que era dela, aqueceu o coração e as panturrilhas, subiu no monte mais alto e viu que era o monte certo porque a vista era linda.
Ela voltou numa longa, longa manhã, amando loucamente o que encontrou.
Ela voltou numa longa, longa manhã. Eterna. Agora sim, eterna.
E nunca mais voltou para as trilhas escuras de sua solidão.

2 comentários:

  1. Gostei muito de seu estilo. (Sou aluna da Malu Zoega e através dela vim conhecer teu espaço). Abraços!

    ResponderExcluir
  2. Olá, conheço vc(de nome) lá do escritório da Malu. Seja bem vinda! Abraço

    ResponderExcluir