terça-feira, 8 de maio de 2012

O palhaço (Ou: Medo de Escuro)


Fechou os olhos na espera de um pensamento.
Ele sabia que teria por ali, nos arredores de suas vivências, nos subúrbios de seu palato, uma ideia a estalar seus ânimos.
Bastava um só encontro. Consoantes e vogais. E, então, diria exatamente o que sentia.
Ele era um palhaço só, na solidão de seus vermelhos.
Ele era um palhaço cru, nas manifestações de seus azuis.
Ele era um palhaço nu, nas crucificações de um picadeiro.
Que solidão era aquela que, compartilhada, ficaria mais só? Ó.
Ele poderia dizer a todos, tudo o que pensa, mas não diz.
A vida dele era tão dele, mas aqueles todos, outros, doidos, hipócritas, em órbitas alheias a dele, insistiam em dizer coisas podres em seu ouvido de palhaço.
Com que direito?
Era nisso que o palhaço pensava, enquanto abotoava seus botões.
Pensava que se tivesse uma só aventura, um jeito delicado, porém, eficaz de afastar todos os outros animais que viviam debaixo de sua tenda, o faria.
Mas era nisso que se perdia. Quando dava por si, tinha explicações na ponta da língua.
Para que?
Não sabia ele que a vida era só dele, e para ele que viviam suas próprias decisões? E que, uma vez decididas, eram para ele só vividas em caminhos únicos que caberiam no centro de sua mão?
Mas, no circo, viviam críticos. E os críticos sempre sabem o que dizer.
São deles os julgamentos todos, e eles acreditam saber o que na verdade não sabem.
Eles nem conhecem o palhaço. Não sabem por quem seus lábios imploram, nem suas lágrimas choram, nem sua língua grita, nem seu pranto dobra.
Quem são eles que só aparecem no fim do espetáculo? Que nunca levantaram uma lona, nunca esticaram um vestido, nunca domaram um menino, nunca sujaram a cara?
E o palhaço, poeta, patife, remoia essas coisas, enquanto ria.
Riso de quem sabe. Riso de quem foi viver a vida e não volta mais. Pelo menos, não para os mesmos horizontes.
Terminou de se abotoar, pegou seus sapatos engraçados, piscou para sua própria sombra, deu as mãos com sua semeadura e foi.
Foi ser palhaço. Foi ser feliz. Talvez, não de imediato, porque a vida tem rugas, mas foi ser o que deveria ser. A boca vermelha borrada de beijo e o azul do olho roubado do céu da madrugada.
Senhoras e Senhores, o circo está aberto. E o palhaço foi viver a vida que vocês só sonham, porque são covardes ao extremo, e tem medo do escuro da dúvida.


4 comentários:

  1. belíssimo, tuty, mesmo.

    toda a minha tese é construída a partir disto: o mistério angustiado de quem tem a responsabilidade - quase civil -, de tocar o outro.

    visualizo a forma como escreve...você dá o tom; alcança.

    um beijo

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  2. Obrigada, querido!
    Você sabe que eu escrevi esse texto visualizando vc no papel desse homem que se veste e se angustia e se resolve e vai atrás do que é dele. Ele tem o seu rosto. Foi concebido para isso.Como eu disse, esse palhaço é vc no melhor sentido. Portanto, vc ter gostado,para mim, é um elogio e tanto.
    Bjo

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  3. TuTy! que lindo!!!! parabéns!!! estou seguindo e confesso que amei, vou divulgar!!!! tbm tenho um aqui das minhas artes, ainda não postei tudo, mas se a artista tiver um tempinho dá uma espiada..... artedalele.blogspot.com
    1 super beijo
    Helena

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    1. Saudades, Helena. Que bom que vc está gostando. Já fui lá conhecer o seu. Parabéns. Mesmo!
      Bjão

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