quarta-feira, 2 de maio de 2012

Pra casar. (Ou: O caso Wellington Tererê)


Começou roendo as unhas. Toda mãe, em algum momento, nem que seja breve instante, rói a unha. Seja por desconcerto, por ódio, angústia, solidão, embaraço, ou qualquer outra coisa, ou ainda todas elas.
Essa, roía as unhas, por aquele minuto, enquanto, diante dela, Jorginho, filho único, de mãos dadas a namorada fazia cara de: “Então, mãe, diz alguma coisa”.

- É um prazer conceber, digo, conhecer você!
- Valeu, tia.

A menina tinha as pernas colocadas uma ao lado da outra, mas os joelhos estavam juntos, e os calcanhares ficavam distantes. Posição de jeca, pensou a mãe. Roia. O esmalte já tinha ido, faltava a borda do dedo, o dedo em si, talvez, com esforço, os cotovelos.

- Você faz o quê, meu bem?
- Tipo assim, em que sentido?

A mãe sentia o coração claramente dar soquinhos, e o fígado, aparentemente, tinha saído para dar umas voltas. Professora universitária, pós graduação em Boston, antropóloga, divorciada, frequente entre os que entendiam em que sentido ela falava as coisas.

- Pergunto se você estuda, trabalha... pensa....? ( A última palavra foi quase um balbucio)
- Ah!Tá! Tipo, já estudei, mas não gosto não. Tipo: Se der um dia faço supletivo e termino o colegial.
- Colegial? Quantos anos você tem, benzinho?
- Tipo, 21, mas nas revistas sai que tenho 18.

A mulher ria de nervoso, um risinho agudo, baixinho. Uma coisa nova. Ela poderia jurar que vinha de algum orifício desconhecido da sua alma. Era isso. A alma estava definitivamente furada.

- Você sai em revista? ( o risinho ficou mais alto)
- É, as vezes, por causa do caso do Wellington Tererê.

Estava concluído. O pâncreas resolveu acompanhar o fígado. A respiração acompanhava os soquinhos do coração. Parecia um soluço. Ela estava viva dentro de um soluço. Olhava a moça, os peitões armados. E as coxas? Cada uma parecia que tinha trazido uma amiga para acompanhar. Rijas, grandes, cavalares.

- E quem seria esse moço?

Daí, o filho que, até então, estava se segurando, não agüentou:

- Mãe!!! Wellington Tererê!!!! O melhor atacante da atualidade. O chute dele é uma bomba, mãe. Acabou de assinar um contrato na Europa. Milhões! O atacante do século.

O garoto estava chateadíssimo. Desdenhar da namorada já era o fim. Agora, não conhecer Wellington Tererê, era demais.
A mãe fez cara de ah ta e continuou:

- E que caso foi esse, benzinho (percebeu que era a terceira vez que chamava a moça de benzinho)
- Tipo, ele é meu marido. Daí, ele chegou outro dia e eu falei: ó tem um cara na parada. O nome dele é Jorginho, tipo, é cara fino e to te dexano.  Daí, ele me espancou. Eu fui no programa de TV e dei parte dele na polícia. Ele vai me pagar um nota. Vai ganhar em euro, né?

A mãe, já estava de pé, remexia nas gavetas a procura de um barbitúrico. Qualquer um servia. Podia ser antiácido, também; ou um valium, uma balinha de menta, um 38. Qualquer coisa valia.
Pensava nas economias que fez. Na primeira escola do Jorginho. Bilíngüe. Bilíngüe, meu Deus. Colegial no exterior. Lembrou da viagem à França para o menino conhecer a cultura, antes de começar o curso de francês. E a faculdade? E a faculdade? E os planos de pós graduação? E o parto? O menino não nascia nunca. Desgraçado. Se soubesse, deixaria ele lá entalado. Para agora, ele aparecer com essa, essa, essa, abominação. Cadê aquele cretino do Maurice quando eu preciso? Ah, ele vai ter que fazer alguma coisa. Ele que pegue esse menino e afaste dessa, dessa, dessa, Sharon. Que pai é esse que não dá conselho? Que não sacode o garoto? Onde já se viu?
A mãe puxava os cabelos das têmporas, mas Jorginho já tinha ido com a fulana para o quarto.
Cinco horas depois, a tal foi embora e Jorginho apareceu na sala. Achou a mãe sentada no chão, abraçada ao catálogo do Louvre.

- O que houve, mãe? A senhora não está bem?
- Por que, meu filho, por quê? O que foi que você viu nessa moça?
- Mãe!!!Ela é mulher do Wellinton Tererê, mãe! Pô! Wellinton Tererê!

O rapaz saiu. Orgulhoso da sua conquista. Com essa, ele casava. Sim, senhor. Essa valia a pena!

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